A construção de um canal para melhorar o escoamento da água do lago Guaíba e da lagoa dos Patos tem sido apontada como uma das alternativas para evitar que se repitam tragédias como a que coloca a cidade de Porto Alegre debaixo d’água. O próprio governo federal admite que o canal é uma das possibilidades a serem estudadas para aumentar a velocidade de escoamento da água da lagoa. Mas não seria a única.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, anunciou a intenção de abrir concorrência internacional para contratar estudos para reduzir a velocidade da descida das águas dos rios do planalto que desembocam no lago Guaíba, para aprimorar o sistema de proteção de Porto Alegre e para drenar mais rapidamente a água da lagoa dos Patos, que interliga o Guaíba ao oceano Atlântico.
A primeira e principal oposição ao projeto de um canal vem do IPH (Instituto de Pesquisas Hidrológicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), que chegou a divulgar uma nota contra a proposta. De acordo com o professor Fernando Meirelles, estudos feitos pela universidade mostram que um canal teria pouco efeito para o escoamento da água acumulada em Porto Alegre. "Um rebaixamento de um metro na lagoa dos Patos significaria poucos centímetros a menos na enchente do Guaíba", diz.
Segundo ele, mesmo um canal de 10 km de largura teria efeitos mínimos. Meirelles conta que a solução do canal já havia sido estudada antes, com base na enchente de 1941, mas foi abandonado por causa da ineficiência da proposta. Novas simulações foram feitas na semana passada e confirmaram os resultados, ele diz.
Outros problemas para a construção do canal seriam os impactos econômicos, sociais e ambientais provocados pela obra. Ele leva em conta três pontos que poderiam ser usados para a abertura do canal, nos municípios de Rio Grande, São José do Norte e Mostardas. Uma das preocupações é com o impacto nas regiões das lagoas do Casamento e dos Peixes, onde está localizado um parque nacional. A erosão poderia afetar diversas praias dali, onde o terreno é arenoso.
Um canal aberto pode provocar a salinização da água da lagoa, o que teria impacto nas plantações de arroz nas áreas alagadas, na pesca artesanal e na criação de camarões na lagoa e no próprio abastecimento de água de algumas cidades próximas.
Coordenador do programa de pós-graduação em engenharia civil da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), o engenheiro hidráulico Daniel Alassia diz que um novo canal poderia afetar a navegabilidade da lagoa. "O que garante o acesso de navios para Porto Alegre é o efeito funil que existe na lagoa, com a água que desce da área de planalto e o escoamento lento na lagoa", explica.
As outras soluções seriam um vertedor, que vazaria apenas a água que superasse determinado limite, e um canal fechado.
O problema do primeiro seria a área de alagamento, que obrigaria obras de adaptação, como a construção de pontes na BR-101, além de outros impactos ambientais, com o alagamento de terrenos onde hoje não há água normalmente.
Um canal fechado, de sentido único, poderia evitar o processo de salinização, porque garantiria que a água do mar não invadiria a lagoa. O coordenador científico do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres (CEPED) da USP (Universidade de São Paulo), Mário Mendiondo, cita a situação atual para demonstrar preocupação com essa alternativa. "É uma solução cara, com custos fixos ao longo do ano. A falta de manutenção no sistema de proteção de Porto Alegre já demonstra como é difícil manter esses cuidados ao longo dos anos", analisa.
Para ele, soluções mais simples, eficientes e rápidas podem servir melhor à situação. "O estudo para a construção de um canal demora anos, é preciso analisar a eficiência e todos os impactos, para depois iniciar a construção", diz ele, que é professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.
O engenheiro João Acácio Gomes de Oliveira Neto, da DTA Engenharia, responsável pela construção do porto Meridional, em Arroio do Sal, no norte gaúcho, diz que o assoreamento já é um problema para o porto de Rio Grande, o único porto marítimo do estado. A questão poderia se agravar com a construção de um novo canal.
Oliveira diz que a prioridade do estado deveria ser uma melhor gestão da água e lembra que 7% do território do Rio Grande do Sul é formado por águas superficiais —é o maior percentual do país. "Há 50 anos, havia um sistema hidroviário que ligava o estado inteiro, sob a gestão do Departamento Estadual de Portos Rios e Canais, criado em 1906", diz.
Segundo ele, o departamento, que era responsável por fazer o desassoreamento dos rios, foi fechado nos anos 1970 e, desde então, não há um trabalho regular para manter os rios com sua profundidade normal. "A situação é tão grave que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental [Fepam] liberou, com a portaria 417/2024 publicada no último dia 9, quando as enchentes já haviam atingido o estado, as dragagens sem necessidade de licenciamento ambiental", diz.
Oliveira defende a criação de caixas de sedimentos, com grande profundidade, na entrada do lago Guaíba, como solução rápida e eficiente para evitar novas enchentes não só na região metropolitana, mas também em outras partes do estado. Para ele, seria uma forma de evitar o assoreamento, e uma solução mais barata do que fazer desassoreamentos na área total do lago. "Os rios estão entupidos. Onde havia uma profundidade de dez metros, caiu para cinco, e depois para dois, sem que nada tivesse sido feito", diz.
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