Descrição de chapéu violência

Comunidade do Osho no RS criou rondas armadas e rotas de fuga na pandemia, dizem ex-membros

OUTRO LADO: Líder admite ter comprado armas legais, que diz não ter mais, e nega outras acusações

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São Paulo

Em 2020, durante a pandemia da Covid-19, a comunidade Osho Rachana, na zona rural de Viamão, na Grande Porto Alegre (RS), resolveu fechar suas porteiras.

Antes, foram convocados os integrantes do grupo que vendiam agendas e organizavam sessões de meditação e práticas bioenergéticas em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Florianópolis. O perfil deles era parecido: jovens de classe média e média alta, quase todos brancos. Eles somaram 108 pessoas no sítio, durante o pico de ocupação do local.

Criada nos anos 1990 por discípulos de Osho (1931-1990), o controverso líder espiritual indiano apelidado de "guru do sexo", a Osho Rachana adotou o mesmo modelo das comunidades de seu mestre, com meditações ativas e premissas de amor livre, como mostrou a premiada série documental "Wild Wild Country".

Assim como na série, em que discípulos de meditação pegam em armas para proteger sua comunidade nos Estados Unidos, os ex-moradores da Osho Rachana que fizeram o isolamento coletivo relatam a instauração de um clima de insegurança e terror para além do vírus e contra o qual a comunidade era incitada a reagir e se armar para se proteger.

Eles contam que armas foram compradas e um grupo fez cursos de tiro. Implementou-se um toque de recolher e rondas noturnas armadas pelo sítio, onde rotas de fuga por terra e pela água, com treinamentos periódicos, foram desenhadas para o caso uma invasão pela vizinhança empobrecida.

"Foi designada uma equipe que selecionava notícias do dia e passava para o grupo, que tinha pouco acesso ao noticiário já que trabalhávamos o dia todo e dormíamos poucas horas por noite", conta Karina Coppetti, 35, que viveu na comunidade até meados de 2020.

André Caldas, 39, que viveu na comunidade Osho Rachana por dez anos e que saiu no meio da pandemia, relata uma rotina de terror com rondas armadas, rotas de fuga e treinamentos periódicos, além de pressão para que membros obtivessem dinheiro dos pais.
André Caldas, 39, que viveu na comunidade Osho Rachana por dez anos e que saiu no meio da pandemia, relata uma rotina de terror com rondas armadas, rotas de fuga e treinamentos periódicos, além de pressão para que membros obtivessem dinheiro dos pais. - Daniel Marenco/Folhapress

Procurado, o líder e cofundador do centro de terapia Namastê e da comunidade da Osho Rachana, Prem Milan, 68, afirmou que foram compradas armas legais para proteção da comunidade, mas negou as demais acusações.

A Comuna é o ponto de chegada para jovens que começaram processos terapêuticos nos centros de terapia bioenergética e meditações ativas Namastê, em Porto Alegre ou na filial do Rio de Janeiro, e abraçaram um novo modo de vida e um novo nome, em sânscrito, como Osho fazia com seus discípulos.

Um grupo de 16 ex-moradores da comunidade, muitos com pelo menos cinco anos de vida no local, se reuniu agora para denunciar o que descreve como uma rotina de abuso psicológico, manipulação de conteúdo terapêutico e exploração financeira, além de episódios de agressão física.

Eles levaram o caso ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), que informou, por meio de nota, que o "MPRS, no âmbito protetivo, já teve arquivado 'notícias de fato' em face da investigação ainda estar junto à Delegacia de Polícia da cidade de Viamão". Procurada, a Polícia Civil gaúcha informou que a 1ª delegacia de Viamão está investigando o caso.

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Os denunciantes que se isolaram na comunidade afirmam terem sido obrigados a fazer terapia de ozônio retal uma vez por semana, mesmo sem eficácia comprovada contra o coronavírus, como forma de prevenção.

"As médicas da comunidade mantinham o registro de quem fazia, sob pena de constrangimento em reunião", conta a designer Carolina Land, 31, que viveu por sete anos na comunidade, sobre os encontros periódicos que reúnem todos os moradores e, segundo os denunciantes, eram usados para constranger publicamente quem desviava das condutas esperadas na comunidade.

Milan, nascido Adir Aliatti e batizado por carta remetida de Puna, na Índia, e assinada pelo próprio Osho, diz que a terapia de ozônio foi uma decisão coletiva da comunidade, e afirma não haver mais armas no local.

"Compramos na época por recomendação da polícia depois que ficamos reféns durante um assalto ao sítio. Fizemos curso de tiro porque não adianta ter arma sem saber usar", explica Milan. Ele afirma que as rondas noturnas armadas foram feitas para evitar que animais criados no local fossem roubados de noite.

No dia 8 de fevereiro de 2021, dois moradores da comunidade foram detidos por policiais militares de Viamão durante uma batida na rua do sítio. Eles ocupavam um dos 12 carros do tipo Monza que pertenciam à Osho Rachana, onde os PMs encontraram uma espingarda, duas pistolas e munição de revólveres calibre 38.

Os jovens ainda vestiam coletes à prova de bala e não tinham porte de armas, como descreve o boletim de ocorrência lavrado na delegacia de Viamão. Eles foram depois liberados, mas, segundo Milan, as armas ficaram com a polícia.

André Caldas, 39, que passou 14 anos no método, dez deles como morador da Osho Rachana, afirma que foram criadas rotas de fugas treinadas pelo grupo. "A gente fez uma rota pela mata que conectava a Comuna a outro sítio próximo, onde havia carros que nos levavam até a praia de Varzinha, em Viamão, que dá acesso à lagoa dos Patos", conta.

Ele afirma ter sido adquirido um barco com o dinheiro da comunidade para que fosse feita a travessia dos membros da Comuna até uma ilha da lagoa. "Acampamos na ilha várias vezes, como parte de treinamentos que envolviam todo mundo, as crianças inclusive."

Caroline Fernandes, 40, que viveu de 2015 a 2021 no sítio de Viamão, descreve treinamentos sucessivos, alguns em que um pequeno tronco era usado para simular o corpinho do bebê que havia nascido na Comunidade e seria transportado junto com o grupo caso uma invasão ocorresse. "A gente treinava passar o tronco ora por baixo ora pelo meio da porteira para ver como seria melhor", afirma.

Milan diz que rotas foram treinadas só depois do assalto e que levavam a pontos do sítio que poderiam servir de refúgio. Ele diz que o barco foi comprado e que as idas à ilha eram um passeio, e não um treinamento.

Os ex-integrantes relatam também terem sido constrangidos a pedir dinheiro dos próprios pais em prol das finanças da Comuna. Ainda segundo eles, a verba era transferida para uma conta única, que teve parte do dinheiro sacado, convertido em dólar e enterrado no terreno do sítio para o caso de confisco bancário ou colapso do sistema financeiro.

Os ex-integrantes também afirmam que lhes foi pedida a transferência do auxílio emergencial recebido pelo governo para contas da comunidade ou saques de FGTS. O grupo apresentou prints de WhatsApp com essas cobranças de transferência.

Fernandes mostra o que seria a cópia de relatórios mensais preenchidos à mão por cada morador, no qual havia campos específicos para a descrição dos valores obtidos com o pai ou a mãe de cada um, e o saldo de "dinheiro escondido" de cada um.

"Quem não tinha altas quantias em poupança era obrigado a criar contas em bancos digitais para pedir empréstimos sem perspectiva de como pagá-los. Muita gente fez dívidas grandes neste momento. A minha, depois consegui pagar", conta Camila Costa Silva, 35, que viveu na comunidade por cinco anos antes de sair no final de 2020.

Questionado sobre essas práticas financeiras, Milan afirmou que o pedido de dinheiro para os pais foi uma sugestão. "Vários conseguiram, outros não. Nós não mandamos ninguém embora por causa disso. Não pressionamos, nós pedimos colaboração", afirma ele, que nega o pedido de abertura de contas para empréstimos.

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