Por que o brasileiro que fugiu de prisão na Pensilvânia não tinha sido deportado?

Danilo Souza Cavalcante, 34, entrou ilegalmente nos EUA, segundo o Departamento de Segurança Interna

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Miriam Jordan
The New York Times

Em horário e local desconhecidos, Danilo Souza Cavalcante, 34 , entrou ilegalmente nos Estados Unidos –sem ser inspecionado ou admitido por um oficial de imigração dos EUA, segundo o Departamento de Segurança Interna.

Algum tempo depois disso, em abril de 2021, ele esfaqueou sua namorada brasileira na frente dos filhos dela, na Pensilvânia, segundo promotores, e foi condenado por assassinato e sentenciado à prisão perpétua. Foi a segunda vez que ele foi acusado de um crime horrível: ele estava fugindo de uma acusação de assassinato em 2017 no Brasil quando entrou nos Estados Unidos, disseram as autoridades.

Danilo Cavalcante fugiu da prisão de Chester County, nos Estados Unidos
Danilo Cavalcante fugiu da prisão de Chester County, nos Estados Unidos - Chester County District Attorney's Office/The New York Times

Sua fuga da prisão do condado de Chester, na Pensilvânia, em 31 de agosto, desencadeou uma busca colossal, que agora entra em sua segunda semana, e uma série de perguntas sobre por que Cavalcante não foi deportado após sua prisão nos Estados Unidos –e se, uma vez capturado, ele continuará numa prisão americana, às custas dos contribuintes.

O caso salienta um problema que o sistema de justiça criminal enfrenta há muito tempo: a questão do que acontece quando os crimes são cometidos por imigrantes que estão no país sem permissão legal, os quais, segundo estudo, têm probabilidade muito menor de cometer crimes do que os cidadãos nascidos nos EUA.

Esses imigrantes acusados de delitos relativamente leves são com frequência enviados de volta a seus países de origem. Mas, por diversas razões, os condenados por crimes graves são muitas vezes obrigados a cumprir suas penas nos Estados Unidos.

No caso de Cavalcante, disseram os advogados, qualquer decisão de deportá-lo provavelmente teria de ser adiada até depois de ele ter cumprido a pena.

As autoridades dos EUA sabiam que um fugitivo do Brasil estava nos EUA?

É muito provável que não soubessem. Os Estados Unidos abrigam mais de 11 milhões de imigrantes sem situação legal regular, a maioria dos quais permanece intencionalmente nas sombras e evita problemas com as autoridades policiais ou qualquer contato com a Agência de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE), que identifica e deporta pessoas que estejam no país em situação ilegal.

"A principal forma pela qual a ICE entra em contato com imigrantes sem documentos é quando eles cometem crimes", disse Aaron Reichlin-Melnick, diretor de políticas do Conselho Americano de Imigração, em Washington.

Cavalcante era procurado no Brasil em conexão com o assassinato de um homem na pequena cidade de Figueirópolis, em 2017.

Mesmo que o Brasil tivesse emitido um aviso da Interpol pedindo sua prisão, os Estados Unidos não teriam motivos para acreditar que ele estivesse vivendo no país.

Somente após sua prisão em conexão com o assassinato de sua namorada, em abril de 2021, a ICE tomou conhecimento de que ele estava no país, disse a agência em comunicado.

Quais imigrantes as autoridades federais visam para deportação?

Dados os recursos limitados de fiscalização e a grande população de imigrantes que vivem ilegalmente nos Estados Unidos, o governo Biden instruiu os agentes federais a se concentrarem nos imigrantes considerados ameaças à segurança nacional ou à segurança pública, ou que cruzaram recentemente a fronteira de forma ilegal.

Num memorando político dirigido aos agentes de imigração há dois anos, o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, orientou os agentes a também levarem em consideração outros fatores na decisão de apreender ou não imigrantes –tais como se viviam nos Estados Unidos há muitos anos, eram de idade avançada ou tinham filhos nascidos nos EUA.

Mayorkas instruiu os oficiais de imigração a empregar "autoridade discricionária" para decidir quem deveria ser removido do país.

Uma pessoa acusada de assassinato seria claramente uma prioridade para a aplicação da lei, disseram as autoridades.

O que acontece geralmente com os imigrantes que são presos?

Quando não cidadãos são presos por autoridades estaduais ou locais em conexão com atividades criminosas, a ICE normalmente apresenta o que é conhecido como detentor de imigração –um pedido para que a ICE seja notificada assim que possível antes que a pessoa seja libertada, para que a agência possa iniciar o processo de deportação.

Um mandado de detenção da ICE foi de fato apresentado contra Cavalcante assim que ele foi preso, segundo um porta-voz do órgão.

No ano fiscal de 2022, a ICE emitiu 78.829 detenções para não cidadãos com antecedentes criminais, incluindo 1.751 por crimes relacionados com homicídio; 1.911 por sequestros; 2.934 por roubos; 8.450 para crimes sexuais; e 26.186 por agressões. (A mesma pessoa pode ter sido acusada de mais de um crime.)

Que tipos de crimes normalmente resultam em deportação?

Um conjunto de leis aprovadas pelo Congresso em meados da década de 1990 tornou os não cidadãos norte-americanos, incluindo os residentes permanentes legais, deportáveis por muitos outros tipos de crimes.

"A lei de imigração dos EUA é dura para aqueles com condenações criminais", disse Reichlin-Melnick. "A maioria dos crimes são deportáveis segundo a lei dos EUA."

Os imigrantes que vivem ilegalmente no país e que cometeram infrações menores, como dirigir com a lanterna traseira do carro quebrada, e que foram autuados em uma prisão municipal, foram entregues à ICE e deportados.

Os imigrantes apanhados conduzindo sob o efeito de bebida alcoólica foram retirados do país. Muitos imigrantes, incluindo titulares de "green card" que residiram nos Estados Unidos durante a maior parte de suas vidas, foram deportados por tráfico de drogas.

No ano fiscal de 2022, a ICE retirou dos Estados Unidos 28.204 pessoas com antecedentes criminais. Um grande número delas foi deportado por crimes relacionados à imigração, como por reentrar ilegalmente no país, perdendo apenas para crimes relacionados a substâncias ilícitas.

Então é provável que o fugitivo brasileiro seja deportado? Nesse caso, quando?

Pessoas que são julgadas e condenadas por crimes nos Estados Unidos devem cumprir pena no país, com raras exceções.

Dado que outros países não são obrigados a prender pessoas com base nas condenações dos EUA, manter os criminosos presos nos Estados Unidos garante que cumpram a pena integralmente.

"Se as pessoas fossem deportadas imediatamente após terem sido condenadas, poderia acabar sendo um cartão para sair da prisão, e isso não faz sentido para o nosso sistema de justiça", disse Reichlin-Melnick, advogado que já representou imigrantes em processos de deportação devido a condenações penais.

"Os países estrangeiros não têm obrigação de prender pessoas por crimes cometidos nos EUA", disse ele.

Existem exceções para um caso como o da Pensilvânia?

Uma exceção seria altamente improvável. "É claro que, com uma sentença de prisão perpétua, a pergunta seria: e se quiséssemos deportá-lo?", disse William Stock, advogado de imigração da Filadélfia.

Existe uma disposição na lei de imigração que permite a um estado solicitar que uma pessoa seja deportada em vez de encarcerada, mas aplica-se apenas a crimes não violentos.

"Na prática, isso raramente é usado porque não se gostaria que uma pessoa fosse deportada e não cumprisse a pena, o que é um risco se ela for enviada para seu país de origem, onde não foi condenada por um crime", disse Stock, que foi presidente da Associação Americana de Advogados de Imigração.

Não está claro se o Brasil poderá solicitar a extradição de Cavalcante devido à acusação de homicídio pendente no país.

O mais provável, segundo Stock, é que Cavalcante, uma vez capturado, permaneça preso na Pensilvânia até completar sua sentença, embora, se algum dia obtivesse liberdade condicional, seria quase certo que fosse entregue às autoridades de imigração para ser deportado.

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