Descrição de chapéu Cracolândia drogas

Governo Tarcísio faz 'censo' da cracolândia e quer levar dependentes para Bom Retiro

Estado escolhe Complexo Prates como novo endereço dos usuários de drogas e admite que mudança pode falhar; prefeito diz que não foi informado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) está fazendo um "censo" dos frequentadores da cracolândia para separar moradores de rua, dependentes químicos e traficantes e, depois, levar os usuários de drogas da Santa Ifigênia para o Bom Retiro. Por enquanto, não foi definido quando a transferência ocorrerá.

Na manhã desta quarta (19), o governador afirmou que ainda não há uma estratégia pronta para fazer a migração dos usuários, muito menos certeza de que a ideia terá sucesso. Ele falou sobre os planos para a cracolândia em uma cerimônia de entrega de uma reforma na Polícia Técnico-Científica, no Butantã, zona oeste da capital, e estava acompanhado do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite.

À noite, passadas algumas horas das declarações acerca do plano, usuários atearam fogo em materiais recicláveis e fizeram uma barricada na esquina da rua dos Gusmões com a avenida Rio Branco, endereço da cracolândia há cerca de três semanas. Um trecho da avenida precisou ser interditado.

Fluxo da cracolândia na rua dos Gusmões, esquina com avenida Rio Branco, no centro de São Paulo na manhã da última sexta-feira (14)
Fluxo da cracolândia na rua dos Gusmões, esquina com avenida Rio Branco, no centro de São Paulo na manhã da última sexta-feira (14) - Danilo Verpa/Folhapress

Até o momento, a Polícia Civil já cadastrou cerca de 200 dependentes que frequentam a região da cracolândia. Os registros são feitos pelos próprios policiais, que fotografam e anotam os dados dos usuários abordados durante operações. A maioria dos cadastrados apresenta passagem por furto, roubo, tráfico de drogas, entre outros crimes, segundo as investigações.

Imagens feitas por câmeras e drones têm sido usadas pelos policiais para identificar o movimento do tráfico de drogas na cracolândia. Os criminosos recorrem a barracas e guarda-sóis para esconder a venda e consumo de crack da vigilância policial.

O governo estadual pretende levar os dependentes químicos para as imediações do Complexo Prates, no Bom Retiro, a cerca de 2 km da rua dos Gusmões. O equipamento da prefeitura reúne um Caps (Centro de Atenção Psicossocial) para viciados em álcool e outras drogas, três abrigos, uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial) e um centro de convivência.

Há cerca de dez dias, houve uma tentativa de realocar os usuários para o Bom Retiro, mais especificamente para o espaço embaixo do viaduto Orestes Quércia, conhecido como Estaiadinha. Mas a estratégia falhou. Os dependentes voltaram para a Santa Ifigênia menos de 24 horas depois.

Procurada na ocasião, a administração do prefeito Ricardo Nunes (MDB) negou qualquer envolvimento da gestão municipal na tentativa de deslocamento e disse que se tratou de uma dinâmica própria da cracolândia.

Questionado sobre o assunto na manhã desta quarta (19), após a declaração de Tarcísio acerca do projeto de remover a cracolândia da região da Santa Ifigênia, Nunes reiterou a posição. Ele afirmou não ter sido informado da intenção do governo estadual de levar o fluxo da cracolândia para o entorno do Complexo Prates.

O assunto, de acordo com Nunes, não foi discutido em nenhuma das reuniões periódicas entre governo estadual e prefeitura sobre a cracolândia. "Não foi falado comigo", afirmou o prefeito. "O que entendo é que o governo do estado deva ter falado de fazer não a remoção da cracolândia, mas talvez fazer um direcionamento para atendimento público."

Segundo Tarcísio, a intenção é que o "censo" dos frequentadores ajude não só na separação de traficantes e usuários, que seriam levados para o novo endereço, mas também em outras medidas. O governo quer que pessoas com famílias em outras cidades paulistas e de outros estados sejam levadas de volta para casa. Os familiares serão procurados com base na pesquisa no fluxo.

"Aos poucos, vamos fazer esse movimento. A gente tem que ter paciência, tem efeito colateral, o pessoal vai querer voltar, vai ter balbúrdia. Vamos ter que organizar, ter que ocupar e não deixar o pessoal [da cracolândia] voltar", afirmou o governador.

Tarcísio retratou o perfilamento da cracolândia como uma iniciativa inédita, com a intenção de que a abordagem seja individualizada. De acordo com ele, a medida pode, por exemplo, identificar pessoas que estejam em progressão de pena no sistema penitenciário, que possam ser internadas voluntariamente ou até compulsoriamente.

O governo estadual tem discutido com o Judiciário e o Ministério Público uma estratégia para internar compulsoriamente usuários com dependência química grave e cujos parentes não seja possível encontrar. Isso, segundo Tarcísio, ocorreria "para aqueles que não têm outra opção". "Tenho que cuidar da vida dessa pessoa e pode ser que eu tenha sucesso lá na frente", afirmou.

O secretário Guilherme Derrite disse que a estratégia de mudança de endereço da cracolândia pressupõe uma separação dos fornecedores da droga e dos usuários. Uma operação na semana passada, segundo ele, prendeu 16 pessoas, entre as quais dois homens apontados como lideranças do tráfico na região de Campos Elíseos e Santa Ifigênia.

Poucas horas após o anúncio de Tarcísio, moradores do Bom Retiro criaram um abaixo-assinado online contra a mudança. No início da noite desta quarta, havia cerca de 3.600 assinaturas.

Entre a manhã e tarde desta quarta, a reportagem esteve na rua Prates, onde fica o Complexo Prates. Há escolas, hotéis, restaurantes, templos religiosos e bazares nas proximidades do complexo. Perto dali, na rua Afonso Pena, está localizado um grande conjunto de edifícios residenciais.

Nas calçadas que margeiam o complexo, foi possível visualizar cerca 30 sem-teto. Nenhum deles consumia crack. Um outro vizinho do complexo é a sede do Denarc (delegacia de narcóticos).

A ideia da chegada da cracolândia assusta funcionários de uma escola localizada a três quadras do abrigo. A unidade tem 600 alunos.

A diretora da Luminova Bom Retiro, Luciana Monte, 38, teme pelo trajeto a ser feito por pais e alunos até o colégio, aberto em 2019. "Vai ser complicado. Os pais não vão ter a segurança de deixar os filhos. Torna-se um tanto perigoso, mais do que já é."

Antes das férias de julho, ao menos dois jovens do ensino médio foram atacados com faca e golpe mata-leão enquanto caminhavam da estação da Luz até o estabelecimento de ensino, relatou Monte.

Para a funcionária de um hotel, que preferiu não ser identificada, a eventual migração a rua Prates deve provocar a falência do estabelecimento, que recebe turistas de diversos estados atraídos pela grande variedade de lojas de roupas, principalmente nas ruas José Paulino e da Graça.

O engenheiro Felipe Santos, 36, é síndico de um condomínio na rua Afonso Pena que reúne 270 apartamentos. Seu principal temor é que o bairro sofra com a desvalorização e com os mesmos problemas vistos na região da praça Princesa Isabel, onde comércios fecharam devido à dispersão dos usuários de drogas em 2022. "Não queremos que o Bom Retiro vire os Campos Elíseos."

Erramos: o texto foi alterado

O Complexo Prates não tem abrigo para crianças e adolescentes. O equipamento da Prefeitura de São Paulo foi reformado e oferece dois abrigos para homens e um para mulheres trans. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.