Familiares e amigos de Bruno Pereira e Dom Philips realizaram nesta segunda-feira (5) atos no Vale do Javari e em diversas cidades, incluindo Londres, para lembrar um ano dos assassinatos do indigenista e do jornalista britânico no Amazonas.
O protesto na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi marcado por críticas de que, um ano depois das mortes, não foram tomadas medidas de proteção às terras indígenas.
"Ainda estão batendo cabeça. Não tomaram providências efetivas de fato. O Estado brasileiro deve uma explicação ao mundo, porque o mundo se comoveu com esses assassinatos", disse Beto Marubo, líder da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), organização na qual Bruno trabalhava.
O grupo também citou retrocessos recentes, como a aprovação do projeto de lei do marco temporal na Câmara dos Deputados e o enfraquecimento do Ministério dos Povos Indígenas, que com a aprovação da MP da Esplanada perdeu a competência pela demarcação de terras.
Marubo defendeu que o Senado rejeite o projeto de lei do marco temporal e relembrou as sugestões apresentadas pela Univaja durante a transição de governo.
"É preciso ter a presença do Estado, Funai, Exército, Ibama e Força Nacional [no local]. As estruturas da Funai são precárias na região. A Funai está em frangalhos, com organograma desatualizado, e o Congresso esfacelou a atuação do Ministério dos Povos Indígenas. Isso vai acarretar mais retrocessos", disse Marubo.
No ato, Alessandra Sampaio, viúva de Dom Philips, afirmou que os grupos investigados e denunciados pelo jornalista seguem em atividade na região, mesmo após investigações da Polícia Federal.
"O Brasil continua consumindo ouro da terra yanomami. Continua consumindo carne que veio do desmatamento da Amazônia. Lá continuam trabalhando com madeira ilegal, tráfico de animais silvestres, além da questão do narcotráfico, que perdeu o controle totalmente. É uma luta injusta, porque eles estão bem armados. Foi uma falta de fiscalização intencional do último governo durante quatro anos", disse Alessandra, em crítica às políticas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Não queria estar aqui falando isso. É uma posição incômoda, porque eu perdi o amor da minha vida", acrescentou Alessandra, que anunciou na semana passada a criação de uma ONG em homenagem a Dom Phillips.
No Vale do Javari, integrantes da equipe de vigilância indígena da Univaja —treinados por Bruno— fizeram uma homenagem ao indigenista e ao repórter com cruzes colocadas no rio Itaquaí. As cruzes foram pintadas com os nomes de ambos.
Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, no lançamento de nova versão PPCDAm —Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, que a dupla deveria estar na cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente.
"Bruno e Dom mereciam e deveriam estar aqui, neste momento em que eles teriam o governo brasileiro como aliado e não como inimigo, ao contrário do que aconteceu nos últimos quatro anos", disse, em referência ao governo de Jair Bolsonaro (PL).
"Há um ano, o assassinato brutal de que foram vítimas chocou o mundo, que passou a ver a Amazônia como uma terra sem lei e à beira da destruição, com enorme ameaça ao enfrentamento da emergência climática."
O evento foi acompanhado por Alessandra, viúva de Dom, e Beatriz Matos, viúva de Bruno, que é diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato no Ministério dos Povos Indígenas.
Outras cidades brasileiras, como Brasília, Belém (PA) —no domingo (4)— e Atalaia do Norte (AM), também registraram atos em memória da dupla. Na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), professores e estudantes falaram sobre a relação do trabalho de Bruno e Dom com a preservação na Amazônia.
Main Matis, aluno de história e nascido no Vale do Javari, rememorou um episódio em que caçaram juntos na região.
"Bruno eu conheci no ano de 2009, quando eu tinha dez anos, lá onde eu morava. Meu pai era cacique e chamou o Bruno para caçar no mato. Na volta, ele disse ‘Main, Main, chama teu pai’, e ele disse que estava tudo bem, mas que tinha perdido os óculos", disse o estudante.
"Até hoje, este local se chama 'Caminho de caça em que Bruno perdeu os óculos', como uma homenagem a ele".
Em Londres, familiares de Dom participaram de um evento organizado pelo coletivo Brazil Matters. "Conheci pessoas incríveis neste último ano", afirmou Sian Phillips, irmã do jornalista.
"Em uma conversa organizada pela [ONG] Survival International, Olímpio Guajajara disse que precisaríamos nos apaixonar de novo pela Amazônia. Isso me marcou porque as últimas palavras do Dom no seu perfil do Instagram foram ‘Amazônia, sua linda!’".
A Anistia Internacional divulgou nota com dez perguntas sobre o caso ao Ministério Público Federal, em que pede a divulgação das linhas de investigação sobre os mandantes do crime e as medidas adotadas pelo Estado para a proteção de indígenas da Univaja, que estão sob ameaça.
O Greenpeace Brasil afirmou, também em nota, que o marco temporal, que deve ser julgado no Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (7), é uma afronta à memória do indigenista.
"O marco temporal é um desrespeito aos que tombaram defendendo essas terras, à exemplo de Bruno, e de tantos outros, como o jornalista Dom Phillips."
PF INDICIA MAIS DOIS SUSPEITOS
A Polícia Federal indiciou mais dois suspeitos pelos assassinatos de Bruno e Dom. A informação foi divulgada neste domingo (4) pelo programa Fantástico, da TV Globo. Os indiciados são Rubem Villar, o Colômbia, investigado como mandante do crime, e o pescador Jânio Freitas de Souza.
Colômbia é suspeito de liderar uma organização criminosa de pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia. Ele foi preso em julho de 2022 por falsidade ideológica.
Jânio faz parte dessa organização, assim como Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, um dos réus do caso e que também está preso. Pelado e Jefferson da Silva Lima confessaram os assassinatos. O terceiro réu preso é Oseney de Olivera (o dos Santos).
Em maio, os três réus deram depoimentos online para a Justiça Federal de Tabatinga (AM). A audiência abriu a fase processual, que vai decidir se os acusados vão a júri popular.
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