Descrição de chapéu mudança climática

Proibição de fogão a gás gera debate nos Estados Unidos

Órgão americano nega intenção de banir gás de cozinha; enquanto isso, Brasil ainda precisa superar uso de lenha

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São Paulo

A discussão sobre o impacto do uso de fogões a gás na saúde e no ambiente voltou a ganhar tração nos Estados Unidos. O motivo é um relatório do governo Biden que considerava a proibição do uso de gás de cozinha no país, segundo a Bloomberg, por causa da relação entre a poluição causada pelos fogões e a incidência de asma em crianças.

A polêmica invadiu as redes sociais e gerou uma resposta de Alex Hoehn-Saric, diretor da CPSC (Comissão de Segurança de Produtos de Consumo). "Não pretendo banir fogões a gás, e a CPSC não adotou nenhum procedimento para isso", disse ele em uma rede social, nesta quarta (11).

Os danos à saúde estão relacionados à liberação de dióxido de nitrogênio, subproduto da queima de gás, e de monóxido de carbono, em concentrações mais altas quando os equipamentos estão desregulados. Estudos citados no relatório da CPSC afirmam ainda que há liberação de metano mesmo quando o fogão está desligado.

Foto mostra fogão à lenha improvisado com panela de pressão
Família de São Paulo cozinha em fogão à lenha improvisado - Lalo de Almeida - 9.abr.21/Folhapress

Especialistas ouvidos pela Folha dizem que as concentrações podem causar irritações nos brônquios e danos a tecidos do sistema respiratório, causando o agravamento de doenças como a asma.

"A gente sabe que esses poluentes do ar, decorrentes da queima de biomassa e do gás de cozinha, danificam o epitélio que recobre as vias respiratórias e as tornam mais vulneráveis a vírus e bactérias", diz a alergista Larissa Carlet, que integra o ambulatório de Asma e Pneumologia do Hospital do Servidor Público Estadual.

A médica afirma que a exposição decorrente dessa queima também pode levar a quadros de hiperreatividade brônquica, asma e rinite alérgica e não alérgica, mas faz uma ressalva.

"No Brasil, um país tropical, não temos estudos para comparar com locais frios como os EUA. Sabemos que os espaços lá são mais fechados e que a ventilação é diferente. Aqui, são mais ventilados e os riscos podem ser minimizados", diz ela, que destaca outras causas para doenças respiratórias, como a poluição do ar nas cidades.

A discussão, no entanto, não pode se dissociar de temas como renda e matriz energética. Isso porque, enquanto os Estados Unidos discutem restrições ou alternativas ao gás para cocção e aquecimento, o Brasil precisa superar o uso de lenha na cozinha, agravado pelo aumento da pobreza.

"É importante contextualizar que um terço da população do planeta usa a queima de biomassa para cocção e alimento", diz Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, citando dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). "[No Brasil] vimos empobrecimento nos últimos quatro anos, com aumento de combustíveis, inflação e outros impactos."

O especialista afirma que, antes de reduzir a exposição ao gás de cozinha, é preciso dar alternativas aceitáveis à população. Assim, o próximo passo no Brasil seria ampliar o uso de gás dos botijões de GLP (gás liquefeito de petróleo), mais comum no país, e do gás encanado. A rede de gás encanado, porém, chega a apenas 4% dos domicílios, segundo a Abegás (associação das distribuidoras de gás canalizado), e mudar esse cenário demanda políticas em áreas como emprego, renda e proteção social.

"Se tivéssemos gás natural disponível para todas as residências do Brasil, seria um ganho de oportunidades", afirma Marcelo Mendonça, diretor de estratégia e mercado da Abegás.

Para Mendonça, o combustível é seguro e ajuda na redução de emissões, e faz parte do debate que o Brasil precisa fazer sobre sua matriz energética.

"Não existe salto tecnológico, o Brasil não vai passar pela agenda de substituição do gás pela energia elétrica sem ter passado pela transição energética, usando gás natural nos equipamentos", afirma. Para ele, a energia elétrica no uso de fogões por indução poderia ser gerada por uma matriz 'suja', com uso de termelétricas a carvão ou óleo combustível.

É o que diz Edmilson Moutinho, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Segundo ele, as infraestruturas e redes de distribuição de gás serão usadas para outras fontes no futuro, como biometano e hidrogênio, e não podem ser descartadas. "Há uma pressão por eletrificação, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, e a poluição é parte desse debate", afirma.

"Mas balancear as emissões é uma questão maior. Quando você olha a literatura, as emissões locais, acidentes com mortes e riscos de câncer, é a lenha. E a pandemia trouxe muita lenha para dentro das casas novamente."

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