Durante os protestos contra o aumento da tarifa de ônibus em Manaus, em 2015, o historiador Davi Abreu, hoje com 31 anos, viu o tempo fechar. As discordâncias entre grupos de esquerda sobre a condução das manifestações escalaram. "Começaram as brigas partidárias e, numa dessas ocasiões, marcamos uma reunião para resolver."
O clima era dos piores, mas um dos militantes, também historiador, conquistou a turma com um discurso sereno, pedindo calma e foco no objetivo. A tarifa acabou reajustada de R$ 2,75 para R$ 3, mas a fala conciliadora fez surgir uma amizade ente Davi e o orador, Raoni Araújo Lopes.
Os dois se aproximariam durante a seleção para o programa de mestrado em história da UFam (Universidade Federal do Amazonas) no ano seguinte, quando Raoni já era professor. Da amizade veio uma missão.
"Chegou bem sério e disse que tinha uma 'tarefa', que é uma fala partidária. 'Davi, tenho uma tarefa pra ti. Vou ser pai e tua tarefa é ser padrinho do meu filho'. Aceitei na hora", diz Davi.
Além do amor pela esposa e o filho, Raoni também se dedicou à política e aos partidos durante sua vida. Ele transitou por diferentes agremiações de esquerda, como PSTU, PSOL, que presidiu no Amazonas, e, mais recentemente, articulava sua ida para a UP (União Popular).
Nascido em 1984 em Belém, no Pará, ele cresceu em uma família de educadores, com mãe professora, e era embalado ao som dos Novos Baianos e de Elis Regina. Esse ambiente contrastava com a fracassada promessa de ordem e desenvolvimento da ditadura militar.
A caserna estava muito próximo de Raoni. Seu avô, militar reformado, elogiava as glórias do regime e dizia que o governo havia dado certo. As férias em Santo Antônio do Tauá, no Pará, eram cheias de igarapés, praias e pipas, mas também de observação e aprendizado.
Esse caldeirão talvez tenha sido o motivo de seu engajamento na política, diz o irmão João de Maria Lopes, 47. "Era um laboratório para ele, porque havia muitos pontos divergentes, de onde ele extraía as ideias para formar a consciência política dele", afirma.
Antes de ser pai, foi o tio moleque das sobrinhas, ensinou a andar de skate e a tocar violão e animava as festas de fim de ano, assim como aproveitou todo o tempo que teve.
Raoni faleceu em 18 de novembro, aos 37 anos, por complicações renais. Deixa a esposa, Karinny, e o filho, Heitor.
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