O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aprovou uma resolução com recomendações para mudar o procedimento de reconhecimento pessoal, forma de identificação de suspeitos frequentemente criticada por erros e condenações injustas.
Evitar o reconhecimento falho foi a principal motivação citada pela ministra Rosa Weber, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ. A resolução foi aprovada na 361ª sessão ordinária do conselho, realizada na última terça (6).
Segundo a ministra, a aprovação da resolução é "um passo histórico na elevação do padrão de confiabilidade da prova de reconhecimento e na qualificação da prestação jurisdicional em nosso país". Para ela, as mudanças contribuem para evitar prisões e condenações de inocentes e para reduzir a impunidade.
As discussões para chegar à resolução foram conduzidas no último ano por um grupo de trabalho criado pelo CNJ com 43 participantes, sendo representantes de polícias, universidades, ONGs, promotorias de Justiça e defensorias públicas, entre outros.
"O STJ (Superior Tribunal de Justiça) e especialmente o Supremo também estão percebendo a necessidade de mudança dessa jurisdprudência que até alguns anos atrás de alguma forma aceitava esta prova tão insipiente e frágil do ponto de vista epistêmico como suficiente para a condenação de pessoas acusadas eminentemente pelo crime de roubo", afirmou Rogério Schietti, ministro do STJ e coordenador do grupo.
O grupo produziu um relatório que elenca os principais pontos, a partir do objetivo de reduzir as condenações de inocentes e evitar erros como a prisão, após o reconhecimento fotográfico, de 80% de réus absolvidos posteriormente, segundo relatório da Defensoria Pública do Rio de Janeiro de maio deste ano.
Além do texto, foi entregue um diagnóstico sobre os elementos que contribuem para a condenação de inocentes, com reflexões sobre a incorporação de inteligência artificial e sobre os efeitos do racismo estrutural.
Em 2021, por exemplo, um jovem negro foi condenado a 10 anos e 4 meses de prisão por roubo a mão armada em Ituverava, no interior de São Paulo —um crime que disse não ter cometido.
A sentença foi dada com base apenas no reconhecimento, e um dos participantes do roubo disse que não conhecia João Paulo e que ele não havia participado do roubo. Segundo a defesa, a vítima teria ouvido de um policial a frase "você não pode ter dúvidas ao fazer o reconhecimento", o que contaminaria a prova.
Outros produtos do grupo de trabalho do CNJ foram um protocolo de reconhecimento em unidades policiais, uma coletânea de artigos sobre o procedimento e uma proposta de capacitação continuada de magistrados, além de uma proposta de projeto de lei.
A ideia do texto é atualizar a forma do reconhecimento pessoal, descrita no artigo 226 do Código de Processo Penal, para reduzir as fragilidades congênitas do dispositivo.
"Já estamos falando de uma prova muito frágil e delicada. Frágil porque nossa memória não é uma captura fotográfica perfeita. Delicada porque tem que ter cuidado para extrair da memória elementos que sejam seguros e legítimos para a valoração de uma decisão judicial", diz Hugo Leonardo, presidente da diretoria do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).
Leonardo foi um dos relatores da minuta de projeto de lei. Entre as mudanças propostas estão o procedimento duplo-cego, em que servidores que organizam o alinhamento das pessoas para o reconhecimento não sabem quem é o suspeito que deve ser reconhecido.
Outra mudança é a irrepetibilidade do reconhecimento, orientação recente a partir de estudos da psicologia do testemunho.
"Se o ato é repetido, com o passar do tempo as pessoas nunca saberão dizer com segurança se reconhecem a pessoa do dia do fato supostamente criminoso ou da delegacia, que tenha sido mostrada a ela essa pessoa", diz Leonardo. "O ato é irrepetível porque, depois do [primeiro] ato de reconhecimento, todos os demais que se sucederão estão fadados a uma contaminação gigante por conta dessas características pessoais já terem sido expostas por essa pessoa."
A proposta de projeto de lei também recomenda a gravação do procedimento para evitar a repetição.
Ainda que o convencimento no Congresso seja uma etapa posterior, segundo Leonardo, agentes das polícias e do Judiciário podem adotar os protocolos sugeridos pela resolução do CNJ para reduzir erros.
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