A organização social escolhida pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual do Rio de Janeiro para gerir hospitais de campanha destinados ao atendimento de infectados pelo novo coronavírus tem episódios de má gestão e até crime em seu histórico.
O Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) está, inclusive, proibido de participar de disputas na capital do Rio de Janeiro por dois anos em razão de irregularidades financeiras e administrativas em UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) do município.
Em seleções emergenciais, o Iabas foi escolhido para gerir 2.700 leitos em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde também é responsável por erguer as unidades. Ele será o responsável por contratar médicos, enfermeiros e equipe de apoio para as unidades de referência no combate ao novo coronavírus.
Em São Paulo, o instituto vai receber R$ 18 milhões por mês para administrar 1.300 leitos montados no Parque do Anhembi. Ele foi escolhido por já ser a OS contratada para administrar as unidades de saúde da região onde ficará o hospital de campanha —foi feito um aditivo no atual contrato, assinado em 2016.
No Rio de Janeiro, uma seleção relâmpago garantiu ao Iabas um contrato de R$ 835,8 milhões (R$ 139,3 milhões mensais) para construir e administrar por seis meses os 1.400 leitos que serão montados em seis pontos do estado, entre eles o estádio do Maracanã. O contrato foi localizado pelo deputado Anderson Moraes (PSL).
Foi no Rio de Janeiro que o instituto teve seus principais problemas. Administrativamente, o mais grave foi a proibição imposta pela Secretaria Municipal de Saúde da capital de participar, por dois anos, de licitações municipais. A sanção foi publicada em março de 2019.
De acordo com a prefeitura, a OS cometeu uma série de erros administrativos graves desde o início do contrato para administrar as UPAs de Costa Barros e de Madureira, gerando danos aos cofres públicos.
“Há mais de dois anos, a OS descumpria cláusulas importantes, praticando desvio de finalidade com a transferência de verbas entre diferentes contratos de gestão e desprezando questões trabalhistas, entre elas o provisionamento de verbas para o pagamento de férias, 13º salários e rescisões contratuais, além de restringir serviços contratados. Dentre as irregularidades, a organização social Iabas fez gastos superiores aos valores pactuados em contrato e deixou de pagar concessionárias e serviços terceirizados, o que gerou pagamento de multa e juros”, afirmou a prefeitura à época.
“Também houve dano à assistência, diante do déficit de profissionais contratados nessas unidades de pronto atendimento, que era inferior ao necessário e pactuado”, declarou o município na ocasião.
No ano anterior, a OS também teve rescindido o contrato da gestão do Hospital Municipal Rocha Faria. Além das falhas financeiras, a entidade não conseguiu cumprir metade das metas impostas pela administração na assinatura do contrato.
O Iabas também foi atingido por investigações criminais. A entidade foi alvo de mandado de busca e apreensão em 2018 e teve um ex-dirigente preso sob suspeita de desvio de recursos públicos. O ex-presidente do Conselho de Administração da OS, Luis Eduardo da Cruz, foi acusado de peculato quando atuava em outra instituição, a Fundação Bio-Rio.
O Ministério Público do Rio de Janeiro, contudo, suspeita que a Bio-Rio tenha sido criada para esconder a atuação do Iabas em alguns contratos. Profissionais do instituto atuaram na confecção das propostas da Bio-Rio em licitações, apontaram as investigações.
O secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos, afirmou em entrevista coletiva nesta terça-feira (7) que não é possível enfrentar uma pandemia como a do novo coronavírus sem contratos emergenciais.
“Solicitei que, tanto a Alerj, como o TCE e o Ministério Público, já comecem um processo de auditoria dessas licitações. Qualquer erro documentado será corrigido, qualquer coisa fora do habitual, medidas serão tomadas sem qualquer pudor em relação a isso”, afirmou o secretário.
"Temos uma crise, mas não podemos permitir que a pandemia gere desvios e casos de faturamento como aconteceu na Copa e Olimpíada", afirmou o deputado Anderson Moraes, aliado do presidente Jair Bolsonaro e opositor do governador Wilson Witzel (PSC).
Em São Paulo, a OS também enfrenta questionamentos. Uma auditoria sob sigilo do TCM (Tribunal de Contas do Município) constatou que o quadro de pessoal contratado pela OS para atuar na região do Anhembi era 20% inferior ao número de profissionais previsto.
Durante a auditoria, constatou-se também que uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na região central de São Paulo estava fechada e que outra não tinha capacidade de atendimento da demanda local.
Outra irregularidade estava no fato de a OS movimentar o dinheiro do contrato em uma conta no Rio de Janeiro. Segundo a auditoria, o Iabas contratou médicos sem autorização legal, recebeu por serviços sem justificativa e não fez inventário de bens ao assumir o contrato.
CONTRATAÇÃO ESTÁ DENTRO DA PREVISÃO LEGAL, AFIRMAM GOVERNOS
A Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro afirmou, em nota, que o Iabas “apresentou o melhor projeto e preço e que, além disso, não há qualquer impedimento para que a OS firme contrato com o estado”. A pasta disse ter cotado o preço junto a outras duas instituições privadas.
“A secretaria esclarece que abriu auditoria permanente para acompanhar todos os contratos realizados pela SES durante o período de estado de emergência. A secretaria informa que tomou medidas necessárias com o objetivo de oferecer o melhor atendimento prestado à população neste momento de pandemia, garantindo transparência e legalidade no processo”, diz a nota.
A Prefeitura de São Paulo afirmou que o aditivo ao contrato já existente foi feito “para garantir a agilidade necessária ao processo”.
“A contratação da construção e manutenção da infraestrutura necessária para o funcionamento do Hospital Municipal de Campanha foi gerida diretamente pela Prefeitura de São Paulo. Todas as contratações da Secretaria Municipal de Saúde estão dentro do previsto na legislação vigente e têm acompanhamento direto dos órgãos de controle como Tribunal de Contas do Município e Ministério Público”, disse a prefeitura.
O Iabas afirmou, em nota, "que a sua contratação para gerir os hospitais de campanha e unidades básicas de saúde se deve estritamente aos critérios técnicos apresentados pelos órgãos públicos".
"Toda a gestão dos equipamentos está sendo feita de acordo com a legislação vigente e conta com o acompanhamento direto dos órgãos de controle de São Paulo e do Rio de Janeiro", afirma o instituto.
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