Descrição de chapéu Folha Verão

Muito além do Leme ao Pontal, Rio tem 2 a cada 3 praias sujas

Fatia de praias poluídas sobe desde 2017; Baía da Guanabara é catalisador

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Rio de Janeiro

“Eu digo que é de família: como minha mãe traz a gente aqui desde pequena, eu já criei anticorpos.” É assim, aos risos, que a auxiliar de atendimento Bárbara Ferreira, 31, explica por que continua mergulhando na praia do Flamengo, na zona sul do Rio, mesmo que ela seja tradicionalmente suja.

Apesar de ter a conhecida vista de cartão-postal para o Pão de Açúcar, esse trecho de mar está entre os 41 considerados ruins ou péssimos na cidade neste ano, de um total de 64, segundo um levantamento que é feito pela Folha desde 2016 em todo o litoral brasileiro.

Isso significa que dois a cada três pontos monitorados no município (64%) ficaram com a água imprópria para banho em ao menos 25% dos testes de balneabilidade realizados entre novembro de 2018 e outubro de 2019.

Essa porcentagem vem subindo nos últimos dois anos. De 2017 para 2018, ela já havia escalado de 53% para 61%. A tendência de piora também acontece no estado do RJ como um todo, onde as praias tidas como ruins ou péssimas subiram de 34% para 47% desde 2017.

As praias sujas se concentram para além do famoso trecho do Leme ao Pontal: na zona norte. Tudo que fica do bairro de Botafogo (ainda na zona sul) para cima no mapa foi considerado ruim ou péssimo nos últimos quatro anos, com a água imprópria praticamente o tempo todo.

O motivo é conhecido por qualquer um que passa a pé ou de carro pela região. É a fétida Baía de Guanabara, que se afunila na região do Flamengo (a praia dos anticorpos) e de Botafogo até desaguar no mar aberto.

Essas duas praias, que deslumbram o turista desavisado no caminho entre os aeroportos do Galeão ou Santos Dumont e a estimada zona sul, são um símbolo do abandono da baía. Botafogo, porém, tem uma fama pior entre os cariocas, que não se atrevem a mergulhar ali.

“Lá não tem condição, porque tem uma marina, então fica aquela água cheia de óleo”, diz Lucas Santos, 40, sentado na areia do Flamengo, sobre uma canga vermelha e preta do time que leva o nome do bairro.

A poluição da Baía de Guanabara se deve a um processo de degradação que se intensificou principalmente nas décadas de 1950 e 1960, com o crescimento desenfreado das cidades. Os rios que atravessam as áreas mais povoadas do estado canalizam até ela uma espécie de esgoto a céu aberto, que recebe ainda despejos industriais e lixo.

Mas não é só na zona norte que se acumula a sujeira.

O Leblon, por exemplo, praia da zona sul que já é historicamente mais suja por causa de dois canais que desembocam ali, piorou ainda mais neste ano, passando de ruim para péssima em grande parte de sua extensão.

A zona oeste, com os únicos quatro pontos considerados bons na cidade, também não é sinônimo de limpeza. A própria Barra da Tijuca, nova queridinha dos cariocas e turistas mais abastados, tem seu canto esquerdo considerado impróprio quase o ano todo, apesar da água azul clara nos dias de maré cheia.

“Tem dia em que o cheiro fica muito forte e a água até ‘garra’ na perna. Geralmente acontece quando a maré seca”, diz o bombeiro mineiro Wesley Gama, 26, logo após atender um alarme falso de afogamento no fundo do mar.

A Liga Mundial de Surfe chegou a mudar a etapa do campeonato no Rio daquela área para a cidade de Saquarema (a duas horas de distância) em 2017, após várias reclamações de surfistas sobre a poluição no mar carioca. Alguns deles até passaram mal.

O levantamento da Folha considera um trecho de água próprio se ele não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores, conforme normas federais.

Se esse ponto ficou próprio em todas as medições feitas nos 12 meses considerados, é bom. Se ficou impróprio em até 25% delas, é regular. Até 50%, é ruim. E mais de 50%, é péssimo. O método segue padrões da Cetesb (órgão ambiental de SP) e não tem relação com vazamentos de óleo ou lixos na areia, que também podem ser focos de contaminação.

David Zee, professor de oceanografia da Uerj (estadual do RJ) especializado em gestão costeira, atribui a piora geral das praias fluminenses nos últimos anos à economia do estado e da cidade.

“Quando economia cai, a primeira coisa da qual se deixa de cuidar são as questões ambientais, porque não tem uma relação direta e rápida, como saúde e educação. E também tem o interesse social. Se ninguém está interessado, não vai melhorar”, diz.

Nesta semana, o Ministério Público Federal denunciou a Cedae (responsável pelo saneamento da região metropolitana do RJ) por ter lançado esgoto sem tratamento correto na Baía de Guanabara e na Barra da Tijuca.

O órgão disse que já firmou um acordo com a Promotoria estadual para ampliar o serviço de esgotamento no entorno da baía. Também afirmou que iria prestar os devidos esclarecimentos assim que fosse notificada da ação.

Já a Secretaria Estadual do Ambiente e Sustentabilidade, da gestão Wilson Witzel (PSC), afirmou que um programa de saneamento nos municípios da região (PSAM) “está em plena execução”, prevendo, entre outras ações, a construção de uma estação de tratamento e de um tronco coletor que evitarão o despejo diário de 41 piscinas olímpicas de esgoto in natura na baía.

A pasta informou que também já foi entregue em abril deste ano um trecho de 3,8 km de um tronco coletor que está direcionando diariamente 12 piscinas olímpicas de esgoto para a estação de tratamento Alegria (no Caju, zona norte), antes lançadas em um canal.

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