O uso de câmeras acopladas a uniformes policiais tem se espalhado pelo mundo nos últimos dez anos. O custo elevado desse tipo de tecnologia se ampara na promessa de resultados importantes no campo da prevenção e da resolução de crimes.
Na chave preventiva, a captação de áudio e vídeo da atividade policial tem potencial para garantir o cumprimento de protocolos e para conter comportamentos abusivos, ilegais ou corruptos. Isso melhoraria a confiança da população na polícia, aumentando a transparência e a credibilidade da corporação.
Na chave da resolução de crimes, o registro de delitos ou de abusos no uso da força por oficiais seria capaz de impedir que ilegalidades ficassem impunes.
A realidade, no entanto, desafia esta lógica.
Ainda hoje, não há consenso científico sobre a eficácia do uso desse tipo de vigilância.
A maioria dos estudos sobre o tema, feitos nos EUA e no Reino Unido, aponta que, depois da implementação dos equipamentos, houve redução nas reclamações da população sobre condutas de policiais.
Em Rialto, na Califórnia, essas queixas diminuíram 88% após implementadas as câmeras nos uniformes, em 2013.
Não é possível saber, no entanto, se o resultado é fruto de uma moderação no uso da força pela polícia ou de uma mudança no comportamento daqueles que interagem com ela.
Um dos autores do estudo, o criminologista Barak Ariel, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, encontrou efeito diverso ao ampliar o escopo dessa investigação para um grupo de dez países.
Os dados médios indicaram que o equipamento não só não teve efeito redutor de abusos como ainda aumentou a incidência de ataques a policiais.
"A gente ainda não tem respostas totalmente definitivas sobre os efeitos do uso destes equipamentos", afirma a pesquisadora em segurança Melina Risso, diretora de programas do Instituto Igarapé, que está avaliando o uso dessas câmeras pela Polícia Militar de Santa Catarina, ainda sem resultados conclusivos.
Mesmo assim, para ela, a perspectiva é de melhora na atuação policial sob este tipo de vigilância.
No Brasil, 5.144 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou de folga apenas em 2017, segundo dados sistematizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
No mesmo ano, 367 policiais foram mortos. Experimentos comprometidos com a redução desses números são, portanto, necessários.
Se as câmeras parecem capazes de prevenir ações abusivas, o mesmo não se pode dizer em relação à punição de casos de violência letal ilegal praticada por forças policiais.
Esses casos são investigados dentro da corporação, por Corregedorias sem independência institucional, o que traz conflito de interesses.
Além disso, levantamento feito em 2016 pela Defensoria Pública de São Paulo apontou que 90% dos casos de morte por intervenção policial eram arquivados pelo Ministério Público do estado. Entre os casos que chegam aos tribunais, há absolvições que desafiam provas registradas em imagem das ações sob suspeita.
Em 2015, três policiais militares mataram Fernando Henrique da Silva, de 23 anos, na zona oeste da capital paulista.
O rapaz havia entrado em uma casa e fugido para o telhado. Após ter sido dominado por um PM, Fernando foi por ele jogado do alto do telhado para o quintal da casa, onde recebeu um tiro no peito.
A ação foi registrada em vídeo por um vizinho.
Antes de saber que haviam sido filmados, os policiais relataram o caso de forma que não condizia com as imagens gravadas, alegando ter agido em legítima defesa numa troca de tiros. Eles foram absolvidos por júri popular.
No Brasil, segundo pesquisa do Datafolha, 57% das pessoas concordam com a frase "bandido bom é bandido morto".
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