Como seria S�o Paulo se os projetos para a cidade tivessem sa�do do papel?
No sexto andar do hist�rico Edif�cio Martinelli, no centro de S�o Paulo, dois funcion�rios de meia-idade cuidam das prateleiras empoeiradas e abarrotadas de pap�is do arquivo da SPUrbanismo —a empresa p�blica de promo��o de a��es de planejamento e desenvolvimento urbano.
No cub�culo jazem calhama�os de imagens, plantas e textos descrevendo a cidade que poderia ter sido —projetos de arquitetura e urbanismo encomendados, aprovados e at� pagos por sucessivas administra��es municipais, mas que nunca sa�ram do papel.
Os planos arquivados na reparti��o datam desde a d�cada de 1970, quando foi criada a Emurb (antiga empresa de urbanismo que foi substitu�da pela SPUrbanismo).
H� desde vis�es recentes de uma cidade mais arborizada e com transporte mais eficiente a sonhos modernistas criados por nomes como Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, passando por projetos de metr�pole ainda mais voltados para o tr�nsito de carros, da �poca do prefeito Faria Lima (1965-1969).
"S�o Paulo se fez em fun��o de obras ousadas, projetos importantes e transformadores. Foram grandes obras n�o do ponto de vista de monumentos e edif�cios, mas o sentido de terem estruturado a cidade", explica o urbanista Valter Caldana, diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie.
"Mas de 1990 para c�, S�o Paulo foi esfriando seu �mpeto progressista. A cidade deixou de ousar e foi ficando � merc� de seus pr�prios problemas."
Segundo ele, durante 80 anos a cidade usou o mesmo modelo para crescer —o de avenidas conc�ntricas, cujo melhor expoente � o Plano de Avenidas elaborado por Prestes Maia em 1930.
Embora tratasse de v�rios aspectos urbanos, era focado na constru��o de avenidas monumentais, um conjuntos de radiais e perimetrais que tornou a cidade mais dispersa e o tr�fego mais dependente do carro. "O problema � que esse modelo entrou em colapso e passou a ser preciso encontrar um novo modelo, o que nunca foi feito", afirma Caldana.
TESOURO ENTERRADO
Entre os projetos arquivados h� encomendas de praticamente todos os prefeitos —de J�nio Quadros a Gilberto Kassab, de Luiza Erundina a Fernando Haddad.
J�nio Quadros (1986-1988) encomendou o projeto desenvolvido por Oscar Niemeyer e Ruy Ohtake de reurbaniza��o da margem do rio Tiet�, com a cria��o de uma �rea verde alag�vel ao redor do rio e a constru��o de um centro c�vico para ser a sede da prefeitura —o arquivo da SPUrbanismo, no entanto, n�o guarda as plantas do projeto.
O arquivo tamb�m abriga o plano de criar um bairro novo na regi�o da �gua Branca, pedido pela prefeitura na gest�o de Marta Suplicy (2001-2004) e desenhado por arquitetos como Guilherme Wisnik, da Faculdade de Arquitetura da USP.
A ideia era ter novas esta��es na linha de trem existente, equipamentos e espa�os p�blicos, unidades de habita��o social e uma "pra�a de �gua" com fontes e tanques que aproveitariam o afloramento do len�ol fre�tico.
"Muitos desses planos j� incluiam quest�es que hoje s�o altamente deficit�rias na cidade, como edif�cios de uso misto [residencial e comercial], habita��o social e sistemas de transporte de alta capacidade", explica Valter Caldana.
Para a professora Nadia Somekh, que foi presidente da Emurb e do Conpresp (�rg�o de patrim�nio municipal), o problema � que obras de longo prazo muitas vezes acabam sendo descontinuadas pelos governos seguintes.
E a falta de continuidade n�o � apenas resultado da tradicional altern�ncia de governos de partidos rivais, segundo Caldana. "� s� olhar para a Lei Cidade Limpa, que � um projeto do Kassab e foi enfraquecida pelo [Jo�o] Doria, do mesmo grupo pol�tico", afirma.
Pensados para o longo prazo, muitos desses projetos j� estariam prontos se sua implanta��o tivesse come�ado na �poca do seu planejamento.
Com base nas descri��es e nas refer�ncias de imagens contidas nos documentos, a BBC Brasil fez uma perspectiva art�stica de como partes da cidade poderiam ser hoje se os projetos tivessem sa�do do papel.
1. Um parque de 2,7 km no lugar do Minhoc�o
No lugar do viaduto de concreto que rasga a cidade no meio, S�o Paulo poderia ter um longo parque arborizado, com galerias de arte e lojas nas laterais.
E nem seria preciso interromper o fluxo de 80 mil carros que passam por ali diariamente: o local seria mantido como uma esp�cie de t�nel elevado, com o parque sendo constru�do em cima e as laterais fechadas para abafar o barulho.
O projeto de requalifica��o � do escrit�rios Frentes, que foi o vencedor do concurso promovido pela gest�o de Jos� Serra em 2006 para buscar ideias para o viaduto.
O plano —um dos muitos que foram considerados pela prefeitura ao longo dos anos para o lugar— era de que o parque tivesse playgrounds para crian�as, pista de skate, ciclovia, espa�o para apresenta��es e exposi��es ao ar livre e postos policiais.
A entrada seria feita por edif�cios de acesso, que poderiam abrigar tamb�m cinemas, teatros, restaurantes, bibliotecas e shoppings. Nunca saiu do papel.
O Plano Diretor aprovado em 2014, durante a gest�o de Fernando Haddad (2012-2016), tornou obrigat�rio que o elevado seja demolido ou transformado em parque suspenso.
2. Hidrovias urbanas: barcos no lugar de carros e caminh�es
Um dos projetos mais ambiciosos para a metr�pole � de constru��o de um hidroanel que aproveitasse todo o potencial dos rios da cidade para transporte de cargas e passageiros, para uso tur�stico e de lazer.
Imaginar embarca��es cheias de produtos e pessoas pelos rios Tiet� e Pinheiros pode parecer surreal para quem v� o estado das �guas na cidade, mas o projeto n�o tem nada de fic��o ou fantasia: tem at� um estudo de pr�-viabilidade t�cnica, econ�mica e ambiental licitado pelo Governo do Estado de S�o Paulo em 2009.
Organizado pelo Grupo Metr�pole Fluvial, sob coordena��o do arquiteto e urbanista Alexandre Delijaicov, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o projeto tinha at� um cronograma de implanta��o —come�aria em 2012 e duraria cerca de 38 anos, at� 2040.
"Parece muito tempo, mas voc� j� parou para pensar que os projetos pensados nos anos 1970, se tivessem sido levados para a frente, hoje j� estariam prontos?", diz o professor Valter Caldana.
O hidroanel compreenderia uma rede de hidrovias naveg�veis de 170 km. Seria composto pelos rios Tiet� e Pinheiros e pelas represas Billings e Taia�upeba, al�m de um canal artificial ligando as duas.
Haveriam portos ao longo das margens e o transporte feito pelos rios aliviaria muito o tr�nsito de carros na cidade, possibilitando a requalifica��o das v�rzeas, que, em vez de avenidas marginais, teriam �reas mais arborizadas e apenas vias locais.
As margens do rios seriam o espa�o p�blico principal da metr�pole, o que consolidaria "um territ�rio com qualidade ambiental urbana nas orlas fluviais, que comporte infraestrutura, equipamentos p�blicos e habita��o social", de acordo com o texto do pr�prio projeto.
"� um projeto que traria resposta para diversos problemas modernos, do transporte urbano � mudan�a da matriz energ�tica, j� que menos carros na rua significam menos consumo de petr�leo", afirma Nadia Somekh.
3. S� pedestres na av. Paulista
Turistas e paulistas que caminham pela av. Paulista —a via mais simb�lica de S�o Paulo— sabem que as cal�adas de dez metros de largura frequentemente n�o d�o conta do fluxo de pedestres, com algumas esquinas ficando intransit�veis.
A quantidade de frequentadores no domingo, quando a avenida � fechada para ve�culos, demonstra o potencial ainda maior que ela tem para receber pessoas.
Uma obra come�ada pela prefeitura nos anos 1970 visava justamente isso: a avenida seria fechada para carros, transformada em um grande cal�ad�o, e um t�nel constru�do embaixo da via daria passagem aos ve�culos motorizados.
Em 1967, o prefeito Faria Lima lan�ou um concurso para reurbanizar a avenida. O desenho vencedor, do arquiteto Nadir Cury Mezerani e do engenheiro Figueiredo Ferraz, previa "jardins suspensos" sobre os t�neis, ao longo da Paulista.
"Os jardins suspensos receberiam um tratamento paisag�stico adequado � recrea��o. Seriam sob forma de c�rculos, com um n�cleo para crian�as com escorregadores, labirintos, tanques de �gua e tanques de areia. Em volta deste n�cleo haveria bancos e vegeta��o", diz o texto do projeto arquivado.
O primeiro trecho da reforma, entre a rua da Consola��o e a rua Haddock Lobo, foi inaugurado em 1971 e se mant�m at� hoje.
No mesmo ano, o engenheiro Figueiredo Ferraz se tornou prefeito e continuou a tocar as obras. O t�nel chegou a ser escavado at� o Para�so, mas o projeto n�o agradou � ditadura militar, que destituiu Ferraz em 1973 e enterrou a obra semi-pronta. At� hoje o t�nel ainda existe por debaixo da avenida.
4. Um parque e um lago ao lado do Mercad�o
Reformado durante a gest�o de Marta Suplicy (2001-2004), o Mercad�o de S�o Paulo se tornou um dos principais pontos tur�sticos da cidade. Mas os diversos projetos para requalificar o entorno est�o acumulando poeira no arquivo da SPUrbanismo.
Hoje os arredores do mercado t�m terrenos vazios cheios de lixo, um n� de avenidas indo para as diversas dire��es, um parque vazio e perigoso, barulho ensurdecedor de tr�nsito e um terminal de �nibus gigantesco que ocupa maior parte da paisagem. Em �poca de chuva, a regi�o fica completamente alagada.
"� uma �rea in�spita para a circula��o de pessoas, um rasgo na cidade", diz Nadia Somekh. Segundo ela, a �rea � crucial por se encontrar no entroncamento entre a regi�o central e a zona leste —onde mora a maior parte da popula��o da capital.
Um dos �ltimos planos para a �rea, criado em 2011 pela Una Arquitetos a pedido da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, previa uma transforma��o profunda na paisagem.
Um trecho da avenida do Estado seria enterrado e transformado em um t�nel, possibilitando a demoli��o de quatro viadutos que cruzam o parque e o aumento do espa�o para circula��o de pedestres.
O sistema vi�rio seria reformulado, com a retirada do terminal de �nibus e a cria��o de uma esta��o integrada de metr� e �nibus.
"Retirar os terminais de �nibus do centro traria uma vantagem enorme", afirma Valter Caldana. "Eles s�o uma op��o, n�o um destino. � preciso redesenhar as linhas de �nibus para que elas passem pelo centro, mas n�o parem ali. Temos quatro terminais enormes no centro que geram uma dificuldade de ocupa��o do entorno. S�o �reas grandes que poderiam ser melhor aproveitadas."
Uma lagoa de reten��o com um sistema de filtragem natural reteria o excedente das �guas da chuva, resolvendo o problema das enchentes.
Os tr�s edif�cios hist�ricos na parte norte do parque —o Mercado Municipal (1933), o Pal�cio das Ind�strias (1920) e a Casa das Retortas (1898)—, que hoje est�o isolados um dos outros, seriam integrados entre si e com os novos edif�cios do Sesc (Servi�o Social do Com�rcio) e do Senac (Servi�o Nacional de Aprendizagem Comercial), que teriam cursos profissionalizantes, atividades de lazer, esportes e cultura. O lado oeste do parque tamb�m seria integrado com a rua 25 de Mar�o.
O pr�dio do Sesc, no lugar do antigo edif�cio S�o Vito, � o �nico ponto que deve virar realidade num futuro pr�ximo. Embora n�o tenha data fechada, o terreno j� est� ocupado pela institui��o, que promove diversas atividades no local.
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