Uso de acess�rio afro provoca pol�mica sobre apropria��o cultural
Ana Machado/Divulga��o | ||
Ativista e editora de estilo, Juliana Luna d� aulas sobre turbante para negros e brancos |
Um adere�o de origem oriental, s�mbolo da cultura e religiosidade de matrizes africanas, que j� fez a cabe�a de foli�es em muitos Carnavais e frequentou passarelas de moda, reduziu um debate tido como fundador da sociedade brasileira a uma quest�o menor: branco pode ou n�o usar turbante?
O turbante, �cone da etnicidade negra, suscitou discuss�es e dezenas de artigos e v�deos sobre apropria��o cultural quando uma garota com leucemia postou nas redes sociais que havia sido constrangida por jovens negras a retir�-lo de sua cabe�a por ser branca.
Apropria��o cultural � quando elementos de uma determinada cultura s�o tomados como seus por uma outra cultura dominante, ou seja, quando existe uma rela��o assim�trica de poder.
Reprodu��o/Facebook |
Thauane Cordeiro em foto postada na internet |
O relato de Thauane Cordeiro, que lan�ou a hashtag #VaiTerTodosDeTurbanteSim, convulsionou as redes, opondo grupos � direita ("� racismo inverso") e � esquerda ("� racismo"), brancos ("tenho o direito a usar o que eu quiser" ou "cultura n�o tem dono") e negros ("� a banaliza��o de um s�mbolo da nossa cultura").
Para a fil�sofa e ativista Djamila Ribeiro, a quest�o passa longe do "pode ou n�o usar". "O que incomoda o movimento negro � que nossas pautas s�o ridicularizadas ao mesmo tempo em que se quer fazer uso da nossa cultura e de seus s�mbolos."
"A popula��o negra, al�m de ter sido escravizada, teve sua cultura inferiorizada e criminalizada", explica ela. "Esses mesmos elementos, quando interessantes ao mercado, foram embranquecidos, esvaziados e, ent�o, transformados em produto comercial, sem que os povos que o produzem fiquem com sua fatia do bolo por serem etnias marginalizadas."
A capoeira, que no s�culo 19 era considerada crime de vadiagem, e o samba seriam outros exemplos de apropria��o cultural, pois teriam conquistado as massas em especial quando protagonizados por brancos.
O mesmo poderia ser dito, defendem estudiosos, do rock e do jazz: ambos de origem negra, ganhariam o mundo na pele e no rebolado branco. Nos EUA, o fen�meno ganhou at� termo pr�prio: "whitewashing", algo como "lavagem branca".
O hip-hop, os cabelos rastaf�ri e o culto a orix�s de religi�es afro-brasileiras em vers�es brancas completariam essa lista.
"O que � de origem italiana ou judaica, por exemplo, � respeitado como tal. Por que n�o respeitar o que � s�mbolo da cultura negra?", questiona Ribeiro.
O uso pela ind�stria da moda de crucifixos, s�mbolo do catolicismo, ou de quimonos, t�picos da cultura japonesa, n�o geram a mesma discuss�o, segundo antrop�logos ouvidos pela Folha, porque n�o carregam a carga de segrega��o pregressa dos negros no Brasil.
"Quando falamos em popula��o negra, temos de pensar no que eles viveram ao longo da nossa hist�ria para entendermos a viol�ncia e virul�ncia com que certas bandeiras s�o colocadas atualmente, haja visto o genoc�dio da juventude negra nas periferias urbanas", avalia a historiadora Marina de Mello e Souza, autora de "�frica e Brasil Africano" (ed. Saraiva).
Para ela, nossa hist�ria escravista e a sistem�tica marginaliza��o e inferioriza��o do negro e de sua cultura tornam essa uma bandeira pol�tica. "A gente lida muito mal com nossa heran�a africana."
Cristian Salaini, antrop�logo especialista em patrim�nio cultural afro-brasileiro, afirma que os brasileiros t�m uma rela��o amb�gua com a cultura afro. "O uso de s�mbolos negros ocorre quando � conveniente e cool, e sem �nus. O sujeito n�o pratica o candombl� nem vive na periferia."
Para a antrop�loga e historiadora Lilia Schwarcz, autora de "O Espet�culo das Ra�as" (Companhia das Letras), "� importante politizar essa quest�o e mostrar como os costumes e os termos n�o s�o ing�nuos, que tudo tem passado e hist�ria".
Schwarcz cita "Um Rio Chamado Atl�ntico" (ed. Nova Fronteira), de Alberto da Costa e Silva, que aponta que o turbante viajou da �frica para as Am�ricas e das Am�ricas para a �frica, onde disputaria territ�rio com os cabelos tran�ados, num movimento de fluxo e refluxo.
"As popula��es brancas, por sua situa��o, tiveram mais condi��es de apropriar do que de serem apropriadas. � ineg�vel que estamos todos nos copiando, mas a cultura n�o � um terreno separado da pol�tica", afirma. "Toda essa quest�o de apropria��o cultural � politicamente relevante contanto que n�o gere censura."
Um jovem de cabelos rastaf�ri loiros, que n�o quis se identificar para evitar repres�lias virtuais, admite que o debate o fez refletir sobre seu estilo, ao qual diz ter aderido como homenagem aos negros e manifesta��o de rebeldia.
"N�o posso carregar as bandeiras do movimento negro e o peso de sua hist�ria porque uso este cabelo. N�o seria de verdade", admite. "Mas tamb�m n�o vou mudar meu estilo por causa disso."
A cantora Mahmundi diz n�o gostar da "divis�o" que tem acompanhado a discuss�o. "Voc� acaba focando uma coisa muito espec�fica como o turbante, e afastando as pessoas. Temos que lutar por igualdade de outra forma."
Para a ativista e editora de estilo Juliana Luna, que ministra workshops de turbante para mulheres negras e brancas, o caminho � informar e educar sobre a simbologia de certos elementos da cultura negra, gerando respeito. "O privil�gio cega as pessoas e propaga o racismo e a ignor�ncia. Mas podemos hackear isso em favor da nossa mem�ria e cultura."
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