� preciso viver tristeza para ter alegria, diz palha�o que atua em hospitais
Fundador de uma organiza��o que tem alegria no nome, Wellington Nogueira estava triste na �ltima sexta (16), quando recebeu a Folha.
No dia anterior, havia morrido o ator Domingos Montagner, palha�o por of�cio assim como ele, que conhecia h� mais de duas d�cadas.
Mais presentes naquele dia, as l�grimas e o luto fazem parte da vida de Nogueira da mesma forma que o riso, conta. E entender isso foi um aprendizado obtido nos 25 anos desde que idealizou os Doutores da Alegria.
Karime Xavier/Folhapress | ||
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Wellington Nogueira, fundador dos Doutores da Alegria |
A organiza��o fundada por ele, que j� trabalhava como palha�o em centros de sa�de nos EUA, atua em hospitais de S�o Paulo, Rio e Recife.
Na entrevista a seguir, Nogueira lembra hist�rias marcantes do contato com pacientes e fala sobre o que se pode levar da experi�ncia no hospital para a vida fora dele.
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Folha - Como foi entrar pela primeira vez vestido de palha�o em um hospital no Brasil?
Wellington Nogueira - Em 1990, eu trabalhava nos Estados Unidos e vim para o Brasil visitar o meu pai na UTI do Incor. Ele pediu para eu fazer algo com as crian�as de l� e combinei com uma enfermeira de ir na manh� seguinte.
� tarde, meu pai entrou em coma. Varamos a noite e, �s 8h, liguei para a enfermeira e disse que n�o estava com cabe�a. Ela falou: "Falei para as crian�as que vem um palha�o, voc� n�o vai me dar esse cano agora". Fui e foi muito legal. Quando terminei, meu pai tinha sa�do do coma. Depois, ele saiu do hospital –e eu tinha vindo para acompanhar sua morte. Estava com um sentimento de gratid�o. No ano seguinte, voltei para o Brasil e comecei o trabalho.
Se tivesse que escolher algum momento ou paciente muito marcante, qual seria?
S�o muitos, mas o caso do Mateus [adolescente internado h� quase 12 anos no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, na zona norte], � exemplar. Tudo come�a quando algu�m do hospital comenta com uma dupla de palha�as, a Val e a Juliana, que o Mateus e a companheira de UTI dele queriam ver a Lua pela primeira vez. Elas se disponibilizaram e fizeram um luau.
Depois, � medida que o Mateus passou para a adolesc�ncia, elas sugeriram pintura, levaram livros. Ele pintou todos os palha�os –todos passaram pelo Mateus [os profissionais se revezam]. Fazer parte da vida de um paciente por quase 12 anos faz a gente se perguntar todo dia: como vou me renovar, o que vou trazer hoje?
� uma rela��o duradoura. E como �, por outro lado, lidar t�o frequentemente com a perda?
No come�o, t�nhamos um processo chamado higiene emocional. Uma vez por m�s nos reun�amos para conversar. N�o me esque�o do caso do Ariel, que tinha 5 ou 6 anos. Todo mundo tinha trabalhado com ele, porque ele estava internado havia muito tempo. Um dia, ele morreu. E, na reuni�o, todos lembraram de algum momento com o Ariel, que era muito danado, esperto, adorava pegar a gente no pulo. Cada hist�ria acabava numa gargalhada, porque era alguma coisa que ele tinha aprontado para a gente. E me dei conta de como esse ritual de viver a experi�ncia e compartilhar era fortalecedor. Depois, a gente viu que, em alguns casos, esse processo n�o dava conta. E a� os artistas come�aram a fazer can��es, cenas e textos para elaborar as experi�ncias.
Hoje voc� est� triste. Se tivesse que visitar um hospital, o que faria?
N�o iria cancelar. Ofereceria o dia para ele [Domingos Montagner], porque tem uma coisa de palha�o: o show tem que continuar, porque a vida continua. Mas � claro que, se fosse algu�m muito pr�ximo, talvez eu precisasse parar. Quando a minha m�e morreu, eu vivi uma tristeza de verdade e fiquei sete meses como se estivesse nadando numa piscina de gelatina. Meu 100% era mais lento, chorava, n�o me furtei. Foi importante. Hoje, todo mundo fala de alegria, felicidade, prozac. � claro que uma depress�o � algo a ser tratado, mas a gente precisa sentir como o luto nos afeta. Para celebrar a alegria, � preciso se colocar a servi�o tamb�m da tristeza. Quanto mais conhe�o um, melhor fico no outro.
O desafio da alegria na adversidade n�o se restringe ao hospital. Como levar para fora?
Lembro de um senhor que, no final da intera��o, falou: "Se eu sair daqui, vou viver a vida de outra forma". Pensei: Por que n�o posso fazer essa escolha na plenitude da minha sa�de? O hospital � uma tremenda oportunidade de ver as coisas em perspectiva. Vi quanta energia e tempo eu desperdi�ava em coisa que n�o valia a pena. O hospital � uma grande oportunidade de mirar um espelho para voc�. A gente hoje vive uma era de cultura muito barulhenta, por isso est� se fazendo tanta medita��o. A gente vive numa grande anestesia, e isso parece muito bom: as pessoas est�o correndo para um futuro que n�o aconteceu e atr�s do preju�zo de um passado que j� foi. Mas estar o tempo todo em pleno movimento � alienante. Para ter o seu poder de volta para suas m�os, voc� tem que parar, respirar, ficar inteiro no momento. O que levou a gente � insustentabilidade foi buscar tudo fora. Isso n�o sacia.
Como � pensar assim para um palha�o, que � quem faz o espet�culo?
O hospital foi me mostrando. Uma vez, em Nova York, passei por um adolescente que estava tomando quimioterapia. Ele me olhou com express�o de enfado, mas achei que conseguiria alegr�-lo. Fiz uma cena que costumava ter 100% de retorno de gargalhada. Ele me olhou e disse: "Sabe o que � mais triste? Voc� n�o � nem engra�ado".
Fiquei com tanta vergonha, t�o humilhado pela minha arrog�ncia, que olhei para baixo para chorar. Foi quando vi minha roupa de palha�o, e comecei a chorar e falar como um palha�o: "Mais uma trapalhada, mais um emprego que eu vou perder porque eu s� fa�o bobagem..." O menino achou engra�ado. A palha�a –que era minha supervisora– entrou no jogo e, quanto mais me massacravam, mais ele ia gostando. Me deixou voltar. Sa� com a sensa��o de que tinha sido atropelado, minha supervisora falou: "O que voc� acha que � ter c�ncer aos 14 anos? Ele queria saber se voc� queria mesmo entrar na vida dele, porque, para isso, voc� precisa saber como ele est� se sentindo." Esse moleque foi uma tremenda de uma porrada maravilhosa.
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Wellington Nogueira
Profiss�o Coordenador da ONG Doutores da Alegria, ator e palha�o
Forma��o Ensino m�dio no Col�gio Bandeirantes. Ator pela American Musical and Dramatic Academy e palha�o pelo Big Apple Circus Clown Care Unit, ambos de NY
Curiosidades Foi professor de ingl�s e atuou nos musicais "Fam�lia Adams" (2012/2013) e "Jesus Cristo Superstar" (2014)
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