Não é a primeira vez que a clientela da Bráz Elettrica topa com um pizzaiolo diferente atrás do balcão —um americano sorridente, de bochechas rosadas, que conhece muito bem a capital paulistana, apesar de só arranhar poucas palavras em português.
Consultor contratado pela Cia. Tradicional de Comércio desde a criação da rede, em junho de 2017, o americano Anthony Falco foi responsável pelo desenvolvimento do menu original e, pelo menos uma vez por ano, volta à cidade para interagir com a equipe e criar novas coberturas.
Na temporada mais recente, de 17 a 24 de março, Falco ainda conduziu um workshop para clientes e incluiu uma visita de cunho pessoal: foi provar as pizzas do ex-pupilo e atual concorrente, o coreano Paul Cho, que inaugurou a Paul’s Boutique em fevereiro, no Itaim Bibi.
Falco e Cho são dois pontos fora da curva na cidade mais italiana do Brasil, onde a pizza sempre foi uma cultura associada aos imigrantes: eles tentam emplacar, por aqui, o jeito nova-iorquino de comer pizza.
"A Paul’s Boutique tem a vibe nova-iorquina. A pizza é fantástica e só vai melhorar, porque o Paul é uma das pessoas mais talentosas com quem já trabalhei", rasga seda o mestre Falco.
Em comum, Bráz Elettrica e Paul’s Boutique (que copia o nome de um álbum do grupo de hip-hop Beastie Boys) exibem ambientes jovens e coloridos, onde cervejas e coquetéis acompanham os pedidos.
Têm portas abertas desde o horário do almoço e zero apego às tradições. Assam as pizzas em fornos elétricos e não há talheres, pois a ordem é segurar a pizza com o guardanapo, ou com as pontas dos dedos mesmo. Mas as semelhanças terminam aí.
A Bráz Elettrica aposta na chamada escola neonapolitana (ou neopolitana), a bola da vez nas pizzarias moderninhas de Nova York, entre as quais se destaca a Roberta’s —não por coincidência, a casa onde Falco aprendeu o ofício, trabalhou por oito anos e teve Cho como estagiário.
A massa, que passa por longa fermentação e surge do fermento natural que o próprio Falco trouxe na mala em 2017, gera bordas generosas e recebe coberturas nada ortodoxas. A de calabresa picante (R$ 37) leva um fio de mel, enquanto a portuguesa (R$ 37) não tem ovo cozido. É finalizada com um fio de gema crua sobre os demais ingredientes: muçarela, presunto, cebola caramelizada, azeitona e clara.
"Penso naquele cara em Nápoles, que viu o tomate pela primeira vez e foi ousado o suficiente para fazer um molho e colocá-lo sobre a pizza, sem se importar com regras. Esse é o espírito original da pizza, incorporar ingredientes do mundo", Falco poetiza.
A clientela paulistana parece ter aprovado seu espírito transgressor. Em quase cinco anos, a rede chegou a oito unidades.
Cho estudou na mesma cartilha. Embora tenha estagiado no Roberta’s por apenas um mês, a parceria com o mentor teve vida longa em São Paulo: assim que inaugurou a Bráz Elettrica, Falco voltou para casa deixando o aprendiz no lugar de pizzaiolo-chefe, cargo que ocupou até 2021.
Agora, em seu primeiro empreendimento próprio, o coreano tomou um rumo diferente do mestre: a Paul’s Boutique serve pizzas em grandes fatias sem exagero de cobertura, padrão adotado pelas pizzarias mais tradicionais de Nova York. Nos fins de semana, a fila chega à calçada.
Discos grandões, de 45 centímetros de diâmetro, são cortados em oito fatias. A massa de longa fermentação tem espessura fina e mais firme, que permite segurar o triângulo e dar mordidas a partir da ponta, sem que a fatia desmonte nas mãos.
Trata-se de algo bem diferente das pizzas em pedaços vendidas pelas padarias paulistanas, que pedem prato e talheres. O modelo que mais se aproxima é o da rede carioca Vezpa, que chegou a São Paulo em 2018 e já tem três unidades na capital.
Na Paul’s Boutique, são seis coberturas dispostas no balcão aquecido, à espera dos clientes. Um dos hits é a de milho com muçarela, parmesão, manjericão, pimenta-do-reino e, veja só, creme de limão (R$ 11 a fatia).
"Por que só seis? Para evitar descarte, já que deixo as pizzas prontas no balcão. Em Nova York, é difícil encontrar um lugar que tenha mais do que três sabores. É muçarela, pepperoni e margherita no máximo", diz o pizzaiolo.
O toque paulistano vem da quase obrigação de ter sempre novidades. Inquieto, Cho já pensa em criar sabores em edições especiais, em parceria com convidados. O primeiro deve ser o chef Matheus Zachini, do restaurante Borgo Mooca.
Entre abril e maio, a Bráz Elettrica também deve lançar pelo menos três sabores —os tais que Falco testou em sua última temporada na cidade.
Depois de ajudar a inaugurar pizzarias em 20 países, ele se diz impressionado com a qualidade das farinhas de trigo nacionais e a evolução da oferta de temperos e frutas no mercado local, o que sempre leva em conta na hora de criar. "Não quero fazer a mesma pizza em todos os lugares", diz o consultor.
Na entrevista que concedeu à Folha, ele cometeu algumas indiscrições, ainda não confirmadas pela empresa. "Tenho brincado com novos sabores, talvez abacaxi. É uma fruta tão brasileira! E testei algumas pizzas de sobremesa. Será que é segredo?", adiantou o pizzaiolo.
Pode ser que o cardápio incorpore ainda uma pizza siciliana, típica da terra da avó de Falco —a versão de massa alta mais parece uma focaccia. Ele só descarta a possibilidade de inventar uma pizza com catupiry, preferência declarada do paulistano. "Não gosto, preciso confessar", fecha questão.
Conhecido internacionalmente como pizza czar —esse é o título de seu primeiro livro, lançado nos Estados Unidos em 2021, ainda sem versão em português—, e ídolo entre pizzaiolos profissionais e amadores, especialmente os das novas gerações, Anthony Falco diz que a relação entre americanos e pizzas é visceral. E que os nova-iorquinos parecem ter uma credencial que os autoriza a criticar qualquer pizza que não seja de sua cidade.
Mas, sobre São Paulo, o czar reconhece: "Na cidade de vocês, essa cultura mais verdadeira. Sem dúvida, a capital da pizza é aqui."
Bráz Elettrica
R. dos Pinheiros, 220, Pinheiros (+ sete endereços)
Paul’s Boutique
R. Dr. Renato Paes de Barros, 167, Itaim Bibi
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