Nina Horta lan�a colet�nea de cr�nicas de comida, com intensidade e humor
Nina Horta, se pudesse escolher, morreria por um torresmo de Sueli. Sueli era a menina de cento e tantos quilos que trabalhava em seu buf� a sacudir as banhas firmes, a mais sexy das cozinheiras.
O torresmo, pois, era daqueles que desmancham na boca. "N�o � modo de dizer. Se desmancha como o algod�o-doce se desmancha."
Esse passeio pelas "hist�rias das pequenas coisas" -e por que n�o pelos cinco sentidos?- pode ser trilhado nas p�ginas do rec�m-lan�ado "O Frango Ensopado da Minha M�e", nova colet�nea de cr�nicas de comida publicadas por ela na Folha.
O mesmo tom se desdobra na conversa mansa de Nina, esparramada ao longo de uma tarde em sua casa, abarrotada de livros e lou�as.
Em seus escritos surgem chefs franceses a apertar bifes com o dedo para ver se est�o no ponto, o cheiro do tomate pisado no jardim, a jaca, essa "orqu�dea das frutas", o molho de tomate "daqueles antigos, meio adocicado, com uma suspeita de canela e uma pimenta boa para avivar os sabores".
E suas onomatopeias todas. Os gafanhotos caramelados, croc croc; o tlim-tlim da lou�a; um banho de banheira para que, de repente, ploft, saia um assunto para escrever.
Nina Horta, que outrora nos ensinou que a "comida de alma � aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora de dor, de depress�o, de tristeza pequena", agora nos empresta mais uma dose de sabedoria e de bonitezas e de refer�ncias.
"Ler receita � o de menos. Se voc� ler um livro de arte, na hora de preparar um prato, sem querer, l� no fundo, tem um Van Gogh, um Matisse dando uma m�ozinha."
Bem, ela j� cozinhou para Chico Buarque, "que chegou muito atrasado", para o ex-presidente Lula, "que fez tudo certo, chegou na hora, cumprimentou todo mundo na cozinha, portugu�s �timo". E at� para uma certa mulher, "que era a melhor maquiadora de S�o Paulo, mas n�o sabia nem que existia um tomatinho menor que o outro".
RO�A
Essa cronista, que esconde o nome e a idade, � uma mineira de 12 dias, que abriu os olhos no Rio e cresceu em S�o Paulo. Comia o quanto aguentava e tinha "indigest�es hom�ricas". Passou a inf�ncia a visitar a av� em uma fazenda, "n�o essas fazendas com piscina, fazenda mesmo, de planta��o de cana, galinha pondo ovo, peixe pescado".
Mais tarde, passou a ir com os filhos ao s�tio de Paraty -e ali comiam cuscuz com caf� e biju pelas manh�s.
Escreveu pela primeira vez na Folha em 1987 e tocou o buf� Ginger por quase 30 anos, das manh�s �s madrugadas. Acha a velhice uma chatura e, apesar de ter saudade do poeta Donizete, com quem trocava e-mails, n�o ficou muito triste com a morte recente da �ltima de suas duas galinhas, "t�o comoventes na sua pequena burrice".
Eis uma escritora e cozinheira que toma Coca-Cola gelad�ssima e chama de bom fog�o aquele com o qual "se pode perder a paci�ncia e fechar o forno com o p� por estar com o frango assado nas m�os".
"N�o sou t�o jeitosa para comida. Demorei 20 anos para conseguir ir ao mercado sem levar por escrito a comida que eu queria." Aprendeu ainda que "cozinheira n�o � quem faz um sufl� maravilhoso, � aquela que sabe o que fazer para o jantar. S�".
ETERNO
Nina Horta n�o gosta da est�tica das grandes festas, nem de salto alto, "aquela tortura inventada pelo diabo". Tampouco gosta de bife de f�gado e de �leo de f�gado de bacalhau, "desse tipo de coisa ningu�m gosta".
N�o filosofa sobre a comida quando est� com fome e prefere n�o acordar cedo.
Gosta mais de comida do que de flor. "A beleza das flores � gratuita, a comida � uma coisa �til." Tamb�m � amante de coisas e prefere o servi�o do sal�o � cozinha. "Primeiro, voc� procura a lou�a, depois, pensa na comida."
Bem, essa senhora das coisas e das palavras interessou-se por comida antes para comer e depois para agradar aos outros. "Voc� pode viver sem sexo. Sem amor j� acho mais complicado. Mas sem comida mata, n�?"
Certo dia, Nina foi ter com os estudos do c�rebro e aprendeu que este �rg�o "n�o distingue entre a leitura de uma experi�ncia e a experi�ncia em si, na vida real".
� como se "O Frango Ensopado da Minha M�e" fosse uma porta m�gica para as mais divertidas e tristes e intensas hist�rias dos sentidos.
"O que a mem�ria ama fica eterno", disse Ad�lia Prado, a escritora que, vira e mexe, Nina nos ensina a ler.
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Para Rubem Alves (1933-2014), essa foi a melhor psicologia que j� leu sobre a mem�ria, e ele registrou: "O amor n�o suporta a perda. E uma forma de n�o perder � transformar a experi�ncia que n�o existe mais em literatura".
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O FRANGO ENSOPADO DA MINHA M�E
AUTORA Nina Horta
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 44,90 (288 p�gs.)
Livraria da Folha
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