� jornalista, apresentador e autor de livros como 'A Fant�stica Volta ao Mundo' e '1.000 Lugares Fant�sticos no Brasil'. Escreve �s quintas,
a cada duas semanas.
Um caf� no Cairo
Haisam entrou no Caf� El-Fishawy como se fosse um s�cio-fundador. Circulando pelas mesas min�sculas e amontoadas de turistas e "locais" –e felizmente de alguns locais tamb�m–, ele procurava um canto onde pudesse refrescar, ou at� mesmo alimentar, a equipe que ele acompanhava e que tinha trabalhado o dia inteiro: eu, Renata, nossa produtora tenaz, Calixto, nosso rep�rter cinematogr�fico, que, para nossa sorte, passava tranquilamente por um eg�pcio "da gema".
Apesar de ser de Alexandria, boa parte do trabalho de Haisam era no Cairo, onde ele circulava com desenvoltura uma nota acima de um guia tur�stico convencional. No El-Fishawy, ent�o, ele era "dono do peda�o", como se tivesse vivido todos os mais de 200 anos de conversas ali jogadas fora –filos�ficas, mundanas, revolucion�rias.
Nossos rostos, fragmentados nos in�meros espelhos das salas do caf�, quase n�o disfar�avam o cansa�o de um dia n�o s� nas pir�mides de G�za, mas tamb�m numa �rea das menos glamurosas da capital do Egito, onde vive a pequena (mas forte) comunidade ortodoxa copta: um lix�o onde eles cumpriam o importante papel de reciclar os dejetos de uma cidade em que o poder p�blico havia simplesmente desistido de prestar este servi�o.
Foi sim uma jornada exaustiva, menos pela demanda do trabalho do que pelo esfor�o de encontrar beleza no meio de um cen�rio de mis�ria. Estive l� em 2010, antes da Primavera �rabe, mas a impress�o geral era j� de um certo caos urbano.
A grandiosidade das pir�mides podia, conforme a rua que voc� pegasse, ser facilmente obstru�da por pequenas colinas de entulho. As longas avenidas expressas que ligam partes distantes da imensa capital (estava l� para uma s�rie de reportagens sobre megacidades) ofereciam desoladas constru��es abandonadas, muitas vezes cercadas por favelas espont�neas. E mesmo nas �reas mais tur�sticas –como o bazar Khan el-Khalili, onde ficava o "nosso" caf�–, a sensa��o era de inseguran�a, transmitida ironicamente pela presen�a maci�a de militares fortemente armados em cada esquina.
Mesmo assim est�vamos felizes com o que hav�amos conseguido registrar, e especialmente pelo nosso passeio de camelo em torno da Grande Esfinge (com o perd�o do clich�). Pe�a central de nossa fantasia eg�pcia –que aprendemos a adorar desde crian�as, com suas m�mias, pir�mides e hier�glifos (cujos �nicos poss�veis rivais no imagin�rio infantil talvez sejam os dinossauros e os astronautas)–, a enorme est�tua � um �m� poderoso para nosso olhar e imagina��o.
Aquele enorme rosto, meio humano, meio animal, que t�nhamos visto contra o c�u azul-claro (a polui��o n�o o deixava ficar anil), cambaleando na corcova do bicho com o deserto "ali na esquina", n�o sa�a das nossas retinas, mesmo j� sentados no El-Fishawy, quando Haisam nos tentava convencer a visitar, na nossa folga, a "sua" Alexandria. A ideia era tentadora: um eco distante de Istambul (ainda Constantinopla), que viu s�culos de hist�ria como porto cosmopolita, o apelo quase irrecus�vel da biblioteca –tanto a m�tica antiga, como a fant�stica nova (obra do escrit�rio de arquitetura noruegu�s Sn�hetta), reaberta em 2002–, o Mediterr�neo profundo".
No final, por�m, decidimos passar o �nico dia livre que t�nhamos ali mesmo no Cairo –quem sabe revisitando as pir�mides, descobrindo um novo beco na cidade antiga, arriscando um p�r do sol no parque Al-Azhar". Ou ent�o s� passando horas sentado ali mesmo, no Caf� El-Fishawy, vendo a vida passar entre um ch� de menta e outro.
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