Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes

Diário de junho: o auge e o fim em 2013

Militantes de esquerda, escorraçados da festa, só no fim perceberam que eram o governo

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Querido diário, dia 20 de junho de 2013 vai entrar para a história. Agora a revolução começou para valer, o frenesi cívico não é mais um privilégio de paulistanos e cariocas, o Brasil inteirinho entrou na festa. Um milhão de pessoas nas ruas, outros milhões incentivando das arquibancadas do Facebook. Convulsões em 25 capitais.

A revolta veio com fogo, destruição e pancadaria. Na revolução, algum sangue há de escorrer e coisas no caminho serão depredadas, destruídas, saqueadas, invadidas. Afinal, não se derruba a Bastilha com flores, e a sementeira do porvir é feita sobre os escombros do passado.

Diário querido, Dilma Rousseff, que a tudo assistia em silêncio, pronunciou-se, dividida entre a presidente que adverte contra a "minoria autoritária e violenta", a esquerdista que se compromete, complacentemente, a "ouvir a voz das ruas" e a política que buscou fechar a interpretação sobre as mensagens das ruas no sentido que lhe convém: a multidão quer o que o PT deseja, mas é impedido; mas se o povo quer, o governo consegue.

A decisão de que os protestos não são, afinal, contra o governo do PT, mas alinhadas com ele, parece uma ótima ideia para sair na frente na disputa pelo controle dos protestos, para quem acredita que toda essa energia política ainda pode ser dirigida. A questão é se, de fato, o protestante vai concordar que tudo o que deseja são mais políticas públicas e mais Estado à esquerda e não alguma coisa que não inclui o governo nem partidos políticos na equação. Como boa política, Dilma está filtrando as tais vozes da rua para deixar de fora o cada vez mais forte clamor anticorrupção, que atinge em cheio o governo, além da gritaria contra as más prioridades do gasto do público, sem mencionar o rumor antipolítica e –vejam só! – anticomunista.

Querido diário, ruas em chamas, rodovias bloqueadas, as multidões agora dirigem a sua fúria contra jornalistas para punir o jornalismo e contra militantes partidários para castigar os partidos. Cercaram militantes do PT, tomaram-lhe as bandeiras, queimaram-nas e os expulsaram do baile. O PT ama o povo, ainda mais a juventude revolucionária que foi às ruas mudar o mundo. Mas, como sói acontecer com os românticos, esqueceram que às vezes o amado não corresponde.

A direita da ilustração em bico de pena preto e branco, uma máscara (característica de Anonymous e muito utilizada por movimentos Black Blocs) se eleva no ar arrastrando um trapézio preso a ela. Na barra do trapézio se ve uma mão de alguém que se segura para não cair. Como pano de fundo, a silhueta de uma cidade em tom vermelho. Sobre a cidade projetam-se a sombra da máscara, do trapézio e da mão. No texto pode se ler: “Querido diário, ruas em chamas, rodovias bloqueadas, as multidões agora dirigem a sua fúria contra jornalistas…”.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 20 de junho de 2023 - Ariel Severino

Diário querido, Dilma se empolgou com a ideia de que pode usar as ruas como aríete para derrubar a oposição e propôs nada menos que um plebiscito para fazer uma reforma política. E uma constituinte exclusiva para esse fim. Isso enquanto o pau come com violência crescente em toda parte e os protestantes fecham rodovias por 13 horas em três estados. Os que ainda têm ido às ruas e rodovias estão com raiva, a vontade de destruir é inegável, mas a presidente acredita que se lhes disser que terão uma constituinte exclusiva para reformar o sistema político eles irão não apenas ouvi-la –esquecendo-se dos xingamentos da abertura da Copa das Confederações—, mas guardar tochas, pedras e máscaras e redirecionar a libido coletiva para sentar-se à mesa e reformar a Constituição.

Querido diário, junho termina e terminam as grandes multidões. A revolução se alastrou em pequenos e numerosos focos espalhados pelo país. Agora, 15 militantes fecham uma rodovia, 20 ocupam uma Câmara Municipal, 50 destroem vitrines e jogam pedras na polícia. Mas depois do seu auge, nos dias 20 e 21, foram perdendo público. A violência, tanta e tão desnecessária, afastou os coxinhas, debutantes em protestos, que trouxeram o colorido e atraíram a condescendência dos romanticamente políticos para as manifestações. Os valentões continuaram tocando o terror e afastando o público de interesses dispersos.

Os militantes de esquerda, escorraçados da festa, deram-se enfim conta de que a revolução era contra a política institucional e que eles eram o governo. Por fim, caiu a ficha dos petistas de que a primeira vítima da revolução havia de ser a popularidade da sua presidente, que despencou 27 pontos em três semanas, algo só comparável ao acontecido com Collor. Não era amor, era cilada.

Quase todos estão indo embora, mas alguns voltarão, como costuma acontecer em convulsões sociais desta monta. Muitos dos que tiveram nesses dias os seus batismos de fogo terão aprendido que o rugir das massas nas ruas e nas esquinas digitais faz tremer o sistema, que toda essa energia que arrebenta tudo no caminho pode ser dirigida para fins ideológicos e políticos, que há um vasto estoque de raiva social pronto para uso numa erupção de fúria e indignação popular, desde que se consiga direcioná-la convenientemente.

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