� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
N�o seria mais honesta uma educa��o que credita ao desejo o erro inevit�vel?
Marcelo Cipis/Folhapress | ||
"Invas�es B�rbaras" �, entre outras coisas, o nome de um filme do cineasta canadense Denys Arcand.
Nele, vemos uma singular hist�ria de reconcilia��o entre pai e filho. No momento final de sua doen�a e morte, um professor universit�rio, interpretado por R�my Girard, procura se reaproximar de seus amigos e filho.
R�my fora um professor que vivera o maio de 1968, a libera��o posterior de costumes, que tivera sonhos de revolucionar a vida e o mundo, mas que, ao final, percebe qu�o pouco realmente realizou.
Seu tom � melanc�lico, baseado nas frases que versam sobre "o que poderia ter sido".
S�bastien � o nome de seu filho, com o qual ele tem poucas rela��es. Uma das raz�es da dist�ncia � a diferen�a em seus modos de vida.
Contrariamente ao pai, S�bastien � algu�m que soube se integrar com sucesso. Alto funcion�rio de uma companhia que vende petr�leo, noivo de um mulher pronta para ser a esposa perfeita, ele v� a vida err�tica e excessiva do pai como uma inadapta��o infantil.
Os pap�is tradicionais parecem estar trocados nesta narrativa em que as inst�ncias normativas est�o nas gera��es mais jovens. O filme ser� ent�o a hist�ria de uma aproxima��o, mas uma aproxima��o que, � sua maneira, fornece uma resposta poss�vel � quest�o sobre o que ainda pode ser um pai.
A esse respeito, se me permitirem o uso da primeira pessoa, lembro-me de conhecer um jovem que acabara de ser pai, no Cairo. Sabendo que eu tinha uma filha, ele se p�s a falar de como imaginava educar seu filho nos m�nimos detalhes, procurando controlar e selecionar aquilo que julgava ser formador ou n�o.
Ele imaginava um espa�o irretoc�vel de educa��o. A minha �nica pergunta foi: "Mas o que voc� far� com seus erros?".
Os "erros" em quest�o n�o se referiam apenas �s escolhas erradas, mas principalmente �s err�ncias, ou seja, aos momentos em que, por confus�o ou cegueira, n�s mesmos acabamos traindo o que n�o deveria ser tra�do, n�o somos dignos do lugar que ocup�vamos, do amor que recebemos.
Err�ncias estas motivadas por c�lculos errados, por sintomas e divis�es com os quais nunca soubemos lidar, por cren�as que depois se demonstrar�o ilus�rias.
N�o seria uma educa��o mais honesta aquela que faz sujeitos perceberem que o desejo nos leva, muitas vezes, a entrar em err�ncias que s�o inevit�veis, que nos leva a lidar com um campo confuso com o qual, muitas vezes, falhamos constantemente em lidar?
Houve �poca em que os pais acreditavam que deveriam aparecer aos filhos como for�a disciplinar e sublimada. Um esteio positivo de identifica��o. Eles tinham ent�o que lidar com as resist�ncias � adapta��o, com a experi�ncia de repress�o da qual eram ve�culos.
Mas talvez mais dif�cil do que isso � aparecer como aquele que mostra como h� um campo de inseguran�a na vida assim que nos perguntamos sobre o desejo. Um campo que certamente nos levar� a errar quando procuramos interpretar a injun��o moral de n�o ceder em seu desejo. Este reconhecimento pode ser o embri�o para uma forma outra de solidariedade.
Em "Invas�es B�rbaras", a aproxima��o entre pai e filho se d� quando o filho entra em d�vida a respeito de suas escolhas, ou seja, quando sua integra��o perfeita parece a ponto de entrar em colapso.
Pois talvez nesse momento ele possa desenvolver alguma forma de solidariedade com os que trope�am e caem, reconhecer a humanidade dos que se confundem. N�o para repetir os impasses do pai, mas para ser capaz de separar a inten��o da realiza��o, a inquietude do limite e, assim, tra�ar um outro caminho.
Um caminho que, como sempre, ser� a resson�ncia dos caminhos que nos constitu�ram, da hist�ria dos desejos desejados antes de n�s, mas que podem encontrar uma forma mais refletida e menos dolorosa.
Que seja o pai o ve�culo de tal reconhecimento, eis algo que n�o seria sem rela��es com uma certa curiosidade bibliogr�fica de um dos fil�sofos que nos aparece com o esteio da raz�o moderna, a saber, Descartes. Em dado momento, Descartes declara ter se apaixonado na juventude por uma garota manca.
Lembro-me de um professor que se servia disso para dizer que, no fundo, Descartes nunca deixara de tentar lidar com o que manca, com os fundamentos que, mesmo nos sustentando, t�m sempre algo que manca. Pois esta era, afinal, uma ast�cia da raz�o: nos fazer amar o que manca.
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