![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
Discurso contra o �dio � estrat�gia liberal para vender falsa pacifica��o
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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O ano de 2017 ser� visto, talvez, como o momento em que a pol�tica mundial tentou improvisar um caminho do meio ao aplicar o velho golpe da necessidade de modera��o.
A crise mundial de 2008 mostrou que veio para n�o mais passar. O mundo est� em crise h� uma d�cada e parece ter se adaptado a tal situa��o, a ponto de transformar o discurso da crise em forma normal de governo.
Em nome do combate � crise, durante estes �ltimos dez anos o mundo viu um conjunto impressionante de a��es de desmontes de acordos sociais e direitos trabalhistas aplicadas por pol�ticas de austeridade especializadas em punir popula��es e proteger elites.
N�o por acaso, os �ndices de desigualdades subiram vertiginosamente e o desencanto social expressou-se das mais variadas formas. Os resultado econ�micos med�ocres desses �ltimos dez anos n�o levaram a uma mudan�a de rota.
Em uma situa��o de perda de coes�o social devido ao sentimento generalizado de injusti�a econ�mica, a estrat�gia geral foi apelar para o medo como afeto pol�tico central.
Os ataques terroristas foram saudados como eventos maiores com direito a veicula��o mundial instant�nea e massiva. Houve um tempo em que ataques terroristas eram tratados como eventos que deveriam ter o m�nimo de visibilidade poss�vel, como condi��o para a limita��o de sua for�a. Este tempo definitivamente n�o � mais o nosso.
Pois o medo produzido pelo terrorismo foi visto como arma maior dos governos a fim de criar situa��es de emerg�ncia cont�nua nas quais a luta contra um pretenso inimigo comum passava � frente do sentimento de espolia��o generalizado.
Mas essa estrat�gia do medo saiu do controle. O que era para ser um rem�dio amargo, aplicado em doses, virou um v�cio.
As popula��es assustadas agiram de forma tal a retra�rem para dentro de suas fronteiras, mesmo quando isto significava ir contra a l�gica do capitalismo global.
Assim, o mundo viu o Brexit ingl�s, a ascens�o de Trump e a recrudesc�ncia de um discurso protofascista e antiliberal em economia.
Foi ent�o que todo mundo ficou mais sensibilizado ao "�dio" e ao "populismo". Mat�rias extensas na m�dia global, estudos acad�micos foram mobilizados para pintar o cen�rio do �dio crescente ao outro.
Por outro lado, o retorno do espectro do populismo era vendido como o risco de derivas autorit�rias, personalistas e irracionais. O liberalismo sempre usou o "populismo" como seu espantalho preferido. Maneira de tentar desqualificar tudo o que sairia do espectro da "governabilidade" liberal com seus embates eleitorais desprovidos de real alternativa de poder.
Mas 2017 come�ou com a clareza de que seria necess�ria outra estrat�gia de gest�o social. Algo que permitisse levar as popula��es a apostar na "modera��o" contra o "extremismo", no "di�logo" contra o "�dio", mesmo que esse di�logo n�o dispensasse doses seguras de viol�ncia do porrete quando necess�rio.
Assim, a Fran�a vendeu ao mundo sua alternativa de combate entre o extremismo pol�tico e a modera��o, dando vit�ria eleitoral a Emmanuel Macron.
No Brasil, tudo indica que esse ser� o script ensaiado no pr�ximo ano. Ele consiste em jogar Lula e Bolsonaro como representante dos extremos e tentar construir algu�m com apelo para ocupar o centro e o fim do �dio que todos pretensamente estariam a esperar.
Como no Brasil a arte de reciclagem pol�tica � algo da ordem do infinito, a modera��o pode ir de figuras como Alckmin a Marina Silva.
De toda forma, isto apenas mostra como o discurso contra o "�dio" � e sempre foi uma mera estrat�gia para vender o que ningu�m quer como se fosse a garantia de pacifica��o e estabilidade.
A pol�tica � o espa�o de conflitos fundamentais que n�o poderiam ser pac�ficos. A quest�o sempre foi sobre quem pode agir de forma violenta, quem tem a autoriza��o para tanto.
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