![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
S� a opress�o n�o basta
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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No final do s�culo 19 e no come�o do s�culo 20, a �frica conheceu um experimento de confinamento que seria retomado em uma das mais sombrias hist�rias das d�cadas posteriores.
Na �frica do Sul, os ingleses usaram, pela primeira vez em larga escala, o deslocamento de uma popula��o de habitantes para campos de concentra��o, no interior daquilo que ficou conhecido como a "Guerra dos B�eres". Em torno de 120 mil afrikaners (algo como 10% dessa popula��o) foram deportados, sendo que 25 mil morreram confinados em campos de condi��es sub-humanas.
A experi�ncia da brutalidade da opress�o ficou marcada em sua mem�ria coletiva e se transformou em um forte desejo de defesa e de autopreserva��o. D�cadas depois, quando os afirikaners conseguiram enfim aplicar suas pol�ticas em todo o pa�s, foram eles que responderam � brutalidade com outra brutalidade, instaurando o apartheid a partir de 1948 e levando, assim, ao �pice a segrega��o contra as popula��es negras.
Lembrar disso agora talvez ajude a demonstrar que, de certa forma, a experi�ncia de opress�o n�o basta para a produ��o de experi�ncias pol�ticas com potencial emancipat�rio. A opress�o muitas vezes pode levar apenas � justifica��o de pr�ticas de autopreserva��o comunit�ria diante da lembran�a, constantemente reiterada, de uma viol�ncia anteriormente sofrida.
Fomos violentados e temos o direito de tudo para que sequer a sombra desta viol�ncia n�o paire novamente. Assim, se a a��o pol�tica dos anteriormente oprimidos n�o ser�, imediatamente, traduzida em emancipa��o coletiva, � porque ela ser� apenas uma mera a��o de defesa e de regress�o social.
Lembremos de v�rios momentos nos quais a opress�o anterior acaba por justificar pr�ticas de imuniza��o. Ou seja, ela ir� mobilizar todos os recursos e as for�as para imunizar grupos, refor�ar a seguran�a, constituir fronteiras. A pol�tica se reduzir� ent�o � gest�o da imuniza��o.
Muito diferente �, no entanto, uma experi�ncia da opress�o que n�o � lida a partir dos m�biles da autopreserva��o. Ela pode ent�o se transformar em uma sensibilidade generalizada a situa��es an�logas de viol�ncia.
Por isto, ela n�o produzir� um desejo novo, a saber, o desejo de constituir um espa�o no qual as experi�ncias m�ltiplas de opress�o possam ser assumidas pelo mesmo sujeito gen�rico, implicadas em v�rias hist�rias. Ela n�o estar� ligada � consolida��o de pr�ticas de imuniza��o, mas levar� a uma luta geral contra as causas estruturais das m�ltiplas opress�es e produzir�, com isto, alian�as cada vez maiores.
Ao menos neste caso, a opress�o acaba por operar um certo descentramento. Ela me leva n�o exatamente a refor�ar minha defesa, mas a criar uma outra fala e uma outra a��o. Uma fala que ainda n�o existe porque pressup�e recusar a identidade dada pelo opressor.
Aquele que oprime define, normalmente, a identidade de quem � oprimido, porque ele instaura um circuito de viol�ncia baseado no olhar do opressor. � a viol�ncia do opressor que nomeia, que diferencia, que criar uma certa identidade coletiva. N�o h� identidade coletiva que n�o tenha sido fruto da viol�ncia de um opressor.
No nosso exemplo foi, entre outros, a viol�ncia do imperialismo brit�nico que fortaleceu e deu sentido � identidade afrikaner. Por isso, agir a partir do lugar definido pelo pr�prio opressor, apenas invertendo seus sinais, �, no fundo, uma forma astuciosa de perpetuar a opress�o, agora sob as costas de outros.
Uma luta efetiva contra a opress�o partir� ent�o de destituir esses lugares que a pr�pria experi�ncia da opress�o constituiu. Falar a partir do lugar dos oprimidos s� � poss�vel � condi��o de recusar os nomes que, at� agora, foram usados para defini-lo.
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