![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
Recusar tanto tornar-se adulto quanto continuar crian�a � nossa �nica op��o
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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O fil�sofo alem�o Theodor Adorno escreveu uma vez sobre seu antigo professor de composi��o musical, Alban Berg: "Ele, de forma bem sucedida, evitou ser adulto sem continuar a ser crian�a".
Dificilmente, encontrar�amos uma descri��o melhor a respeito da capacidade que alguns desenvolvem de constituir suas vidas a partir da experi�ncia da singularidade.
Pois as singularidades sempre pedem a constru��o desses espa�os imposs�veis nos quais nenhuma defini��o pr�via parece funcionar muito bem. Espa�os nos quais as dicotomias at� ent�o vigentes parecem perder seus objetos.
Berg empenhou-se, de forma cont�nua e sistem�tica, em n�o ser adulto, em recusar a gravidade do corretor de seguros, a destreza do gerente de sua pr�pria vida. Mesmo sua m�sica sempre ter� algo da crian�a que apenas em apar�ncia segue as regras, que constr�i como se quisesse, na verdade, destruir.
Uma certa pervers�o que consiste em fazer dos trejeitos do adulto a express�o de uma crian�a e de fazer do olhar da crian�a a express�o escondida e premeditada do adulto.
N�o � dif�cil sentir como um gesto de recusa do tornar-se adulto parece provocar, em alguns, certa repulsa moral. Aprendemos a conjugar, em um movimento que parece fundir as pe�as, emancipa��o, maioridade, maturidade e liberdade.
Recusar-se a ser adulto equivaleria, neste sentido, a n�o aceitar a liberdade e suas responsabilidades, a n�o ouvir a voz que nos incita a conformar nossas vidas aos padr�es de socializa��o e de a��o que temos atualmente � nossa disposi��o. Como se a liberdade fosse indissoci�vel da capacidade de ser reconhecido como capaz de agir a partir de sistemas de normas e regras que fundamentam modos partilhados de vida em idade adulta.
Da� porque normalmente vemos como n�o imput�veis, n�o responsabiliz�veis, aqueles que consideramos n�o livres, como os loucos e as crian�as. Isto apenas mostra como nunca houve moral sem psicologia. H� uma psicologia na base da moral, muitas vezes uma psicologia do desenvolvimento que acaba por ser naturalizada.
Mas � certo que as normas sociais funcionam n�o apenas definindo seus padr�es de conduta suposta. Elas funcionam tamb�m organizando as formas da resist�ncia contra elas. Uma norma realmente funciona quando define, ao mesmo tempo, o que eu devo fazer e como devo recusar e revoltar-me contra o que devo fazer. Ou seja, ela enuncia, ao mesmo tempo, a lei e as formas da transgress�o.
Por isto, muitas vezes, a transgress�o j� � um fen�meno interno � lei. N�o h� sociedade que, de forma t�cita, n�o regulamente suas transgress�es, retirando delas a for�a de realmente abalar os modos de reprodu��o atual da vida.
Da� porque de nada adiantaria recusar-se a ser adulto para continuar sendo crian�a, como se fosse o caso de opor a maturidade � pretensa espontaneidade perdida das crian�as.
No entanto, essa espontaneidade � tamb�m uma produ��o da vida adulta. Ela � uma proje��o daquilo que a vida adulta n�o �, algo que deve ser representado enquanto irremediavelmente perdido e s� recuper�vel sob a forma da regress�o. Ela � sua transgress�o administrada.
Conhecemos figuras que, ao inv�s de compreender a liberdade como autonomia conquistada depois em um processo de matura��o, definem a liberdade como espontaneidade pr�pria a algo que nos remete � inf�ncia.
Mas, longe de serem opostas, talvez estas vis�es sejam complementares e ambas equivocadas. Por isto, a �nica escolha poss�vel � n�o fazer escolha alguma, � recusar tanto o tornar-se adulto quanto o continuar crian�a.
Neste horizonte que parece indefinido, as singularidades produzem seus arranjos inesperados. Mas uma sociedade que n�o sabe como lidar com eles ir� procurar empurrar seus sujeitos a operar no interior de uma polaridade entre adulto e crian�a que, no fundo, � apenas a maneira mais complicada de continuar no mesmo lugar. Por isto, ela ir� preferir continuar a n�o ouvir Alban Berg.
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