![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
As coisas podem agir em n�s sem estarem ligadas � vontade de algu�m
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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"As pessoas e as coisas" (Rafael Copetti Editor, 150 p�ginas) � o segundo livro traduzido no Brasil do fil�sofo italiano Roberto Esposito. Respons�vel por um projeto que visa pensar os fundamentos metaf�sicos da pol�tica moderna e suas consequ�ncias contempor�neas, Esposito constituiu uma orienta��o singular capaz de expor os limites de conceitos normativos definidores de nossas formas de vida.
Poucos s�o os fil�sofos contempor�neos que exploraram de forma t�o sistem�tica a maneira com que nossa forma de pensar continua a enraizar-se em uma metaf�sica impl�cita, que raramente diz seu nome e que, por isto, age de forma muda e forte. Nesse sentido, seus livros participam de um projeto comum paulatinamente desdobrado.
Um destes pressupostos metaf�sicos maiores � a distin��o entre pessoas e coisas, ou seja, entre aquilo que � dotado de dignidade de agentes capazes de delibera��o e aquilo que, desprovido de tal dignidade, serve ao uso e usufruto. Ele � o objeto central desse livro agora traduzido.
� rapidamente percept�vel que a distin��o entre coisas e pessoas aparece a n�s como uma distin��o de forte cunho moral (nunca tratar pessoas como coisas), mas tamb�m psicol�gico, jur�dico, econ�mico e pol�tico.
H� uma esp�cie de "dispositivo da pessoa", isso no sentido de um conjunto de pr�ticas e procedimentos que constituem um horizonte de a��es poss�veis, de modos poss�veis de exist�ncia baseado no respeito � especificidade da pessoa.
� tendo em vista a desconstitui��o desse dispositivo e da reflex�o sobre suas consequ�ncias que Esposito se envolve em uma verdadeira arqueologia dos conceitos de pessoa e coisa. Arqueologia que lhe permite lembrar como "coisa" aparece enquanto aquilo que est� a servi�o da pessoa, aquilo que pode ser submetida a uma rela��o de posse em rela��o � pessoa. Ou seja, ela pressup�e a generaliza��o das rela��es de posse e de usufruto ligado � propriedade.
S� em uma sociedade de propriet�rios, sociedade nas quais o estatuto fundamental de membro confunde-se com o estatuto de propriet�rio, podem existir "coisas". Nas sociedades onde as "pessoas" s�o livres, o pre�o a pagar por tal liberdade � que as "coisas" sejam submetidas � servid�o.
Assim, se s�o Tom�s afirmava que a pessoa era o �mbito no qual a raz�o poderia exercer o dom�nio de seus pr�prios atos, como autor dos seus pr�prios atos, � porque, para n�s, as coisas n�o agem mais, elas s�o acionadas por n�s.
� claro que o ponto que complexifica tal dicotomia � o estatuto do corpo, nem completamente coisa, nem completamente pessoa. Pois h� sempre algo de impessoal no corpo, algo que n�o � completamente pr�prio � pessoa, mas impr�prio.
Por isso talvez seja t�o dif�cil para n�s, que naturalizamos a distin��o entre pessoa e corpo em uma chave impulsionada pela teologia crist�, pensar o que � um corpo e o que implica, para n�s, n�o exatamente ter um corpo, mas ser tamb�m um corpo.
Pensar tais quest�es, e essa � uma das grandes contribui��es de Esposito, nos permite pensar se o verdadeiro conceito de liberdade social n�o seria a no��o de uma sociedade de sujeitos livres, mas antes uma sociedade de sujeitos e de coisas livres. O que pode ser uma sociedade de coisas livres?
Longe de serem instrumentos ou posses, as coisas podem aparecer como o que nos causam e agem em n�s sem que sua forma de ag�ncia e de causa esteja ligada � vontade de uma pessoa, � delibera��o de uma consci�ncia, um pouco como as obras de artes que nos afetam sem que tenhamos que ver, nelas, a express�o da delibera��o de uma pessoa.
Elas n�o s�o apenas a sedimenta��o dos circuitos de hist�rias que a compuseram, mas tamb�m a for�a de seus corpos, de sua mat�ria, do trajeto de sua pr�pria materialidade, de sua "vida pr�pria".
Uma sociedade que n�o submete as coisas a um estatuto subalterno � uma sociedade que aprende a se afastar do estatuto da propriedade e da hierarquia como modelos fundamental de organiza��o e sentido. Ela ser� capaz de pensar de forma mais adequada, entre outras coisas, seus corpos e a presen�a pol�tica de seus corpos.
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