![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
A��es de bloqueio tentam eliminar a exist�ncia pol�tica dos trabalhadores
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Florestan Fernandes costumava dizer que o Brasil era o pa�s da "contrarrevolu��o permanente". Era um modo de dizer que, em nosso pa�s, o poder n�o � animado por uma forma de projeto modernizador, mesmo que uma moderniza��o conservadora. Ele se organiza atrav�s de m�ltiplas a��es de bloqueio das possibilidades de emerg�ncia de transforma��es estruturais populares.
Por exemplo, imaginar que estamos hoje no meio de um projeto de "ajuste econ�mico" tendo em vista a produ��o de riqueza socialmente partilhada � del�rio que parece s� acometer jornalistas econ�micos.
O resto da popula��o percebe claramente que se trata, na verdade, de uma pol�tica deliberada de submiss�o da classe trabalhadora a um padr�o extremo de vulnerabilidade social que a impe�a de realmente existir politicamente.
Mas isto n�o pode ser feito sem as m�ltiplas estrat�gias de silenciamento, que v�o das mais discretas �s mais violentas. E uma das mais violentas passa pela tentativa de definir, do ponto de vista simb�lico, quem � o povo. Pois quem estaria fora do povo perderia a possibilidade de ser escutado, a legitimidade de exigir a realiza��o de suas demandas.
Isto n�o poderia ser diferente e h� uma dimens�o constitutiva da pol�tica que passa por tal embate. H� uma certa dimens�o da pol�tica que deve ser entendida como uma luta para definir onde est� o povo.
Neste sentido, n�o � sem interesse lembrar que, no exato momento em que o povo brasileiro encontra-se submetido a um processo brutal de expropria��o econ�mica, os campos de combate da opini�o p�blica e da cultura assistem discuss�es sobre onde est� o povo.
Fen�menos recentes na cultura, o encerramento de exposi��es art�sticas e as tentativas de cancelamentos de simp�sios s�o feitas em nome do povo, em nome da "maioria esmagadora do povo brasileiro".
Ou seja, a l�gica � afirmar que eles s�o o "povo", com seus pretensos valores saud�veis, seus h�bitos trabalhadores, enquanto n�s, especialmente intelectuais e artistas, ser�amos a verdadeira elite ociosa que vive de dinheiro p�blico, de benesses de funda��es privadas internacionais, propagando comportamentos viciosos e doentios.
Enquanto eles ficam calados diante do sistema neoliberal de blindagem das elites financeiras que drenam as riquezas do pa�s e tomaram de assalto o poder pol�tico, procurando chantagear a soberania popular atrav�s da amea�a da "desconfian�a dos mercados", eles querem fazer crer que artistas e intelectuais seriam os verdadeiros sanguessugas da riqueza nacional, em cl�ssica reedi��o dos ataques nazistas contra o "bolchevismo cultural".
Como se v�, a estrat�gia gira em torno de quem � capaz de constituir o "povo" como ator pol�tico e, com isto, designar quem est� fora do "povo" como enunciador.
Por isso, talvez seja o caso de inverter as acusa��es e lembrar que h� sim momentos em que as estrat�gias populistas s�o necess�rias, mesmo que provisoriamente.
Uma lembran�a que pode nos levar a dizer a quem procura simplesmente nos calar: "N�o, essas e esses que assim falam n�o s�o o Brasil".
Na verdade, essas e esses habitam outro pa�s, um pa�s inomin�vel e infame que n�o se incomoda em ser defendido por militares com sanha golpista inconfessa e oligarcas que passam seus cargos p�blicos de pai para filho. Um pa�s que sonha em acalmar medos apelando � viol�ncia de Estado, que delira com o comunismo saindo por todos os poros.
Esse pa�s sem nome n�o se deixa afetar com as verdadeiras viol�ncias sexuais contra mulheres, travestis, homossexuais e crian�as; � completamente indiferente � espolia��o da classe trabalhadora atrav�s de aparatos legais criados para retirar toda capacidade de organiza��o e luta de quem recebe sal�rios miser�veis e humilha��es cotidianas.
Um pa�s que nunca se afetou por seus pr�prios genoc�dios ind�genas e por seu racismo que, como se diz aqui, n�o existe, j� que louvamos a miscigena��o.
Esse pa�s, no entanto, nunca foi o Brasil. Contra ele sempre existiu um outro que se chama Brasil e que sempre lutou para emergir.
Para quem n�o sabe onde est� este pa�s, que lembrem dos gritos de revolta de Zumbi, da tenacidade de Pagu, do esp�rito inquebrant�vel de Lu�s Carlos Prestes, dos cabanos, dos que lutaram de todas as formas contra a ditadura militar, dos camponeses mortos em suas lutas por terra, dos estudantes que ocupam escolas contra seu fechamento.
Este pa�s � enorme, mas muitos querem nos fazer acreditar que ele n�o existe e que � fraco.
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