![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
As For�as Armadas n�o agem contra o 'caos', mas s�o parte fundamental dele
Marcelo Cipis/Folhapress | ||
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Talvez n�o exista momento mais prop�cio do que este para se lembrar da frase de Adorno e Horkheimer, para quem h� horas em que n�o h� nada mais est�pido do que ser inteligente. A frase se referia � incapacidade de setores da sociedade alem� de encararem claramente os signos de ascens�o do nazismo no come�o dos anos 1930 e pararem de procurar explica��es sutis e inteligentes sobre a impossibilidade de o pior ocorrer. Dificilmente racioc�nio dessa natureza n�o se aplicaria ao Brasil atual.
De fato, nosso pa�s tem ao menos a virtude da clareza. E foi com a clareza a guiar seus olhos redentores que o general Antonio Hamilton Mour�o revelou aos brasileiros que as For�as Armadas t�m um golpe militar preparado, que h� uma conspira��o em marcha a fim de destituir o poder civil. Para mostrar que n�o se tratava de uma bravata que mereceria a mais dura das puni��es, o comandante do Ex�rcito, general Eduardo Villas B�as descartou qualquer medida e ainda foi � televis�o tecer loas a ditaduras e lembrar que, sim, as For�as Armadas podem intervir se o "caos" for iminente.
O "caos" em quest�o n�o � a instaura��o de um governo ilegal e brutalizado sa�do dos por�es das casernas. Ao que parece, "caos" seria a situa��o atual de corrup��o generalizada. S� que algu�m poderia explicar � popula��o de qual del�rio saiu a cren�a de que as For�as Armadas brasileiras t�m alguma moral para prometer reden��o moral do pa�s?
Que se saiba, quando seus pares tomaram de assalto o Pal�cio do Planalto, cresceram � sua sombra grandezas morais do quilate de Jos� Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalh�es: todos pilares da ditadura. Enquanto eles estavam a atirar e censurar descontentes, o Brasil foi assolado por casos de corrup��o como Capemi, Coroa Brastel, Brasilinvest, Paulipetro, grupo Delfin, projeto Jari, entre v�rios outros. Isso mesmo em um ambiente marcado pela censura e pela viol�ncia arbitr�ria.
De toda forma, como esperar moralidade de uma institui��o que nunca viu maiores problemas em abrigar torturadores, estupradores, ocultadores de cad�veres, operadores de terrorismo de Estado, entre tantas outras grandes a��es morais? As For�as Armadas brasileiras nunca tomaram dist�ncia dessas pessoas, expondo � na��o um mea-culpa franco.
Ao contr�rio, elas os defenderam, os protegeram, at� hoje. Que, ao menos, elas n�o venham oferecer ao pa�s o espet�culo pat�tico de aparecerem � cena da vida p�blica como defensoras de um renascimento moral feito, exatamente, pelas m�os de imoralistas. As For�as Armadas nunca foram uma garantia contra o "caos". Elas foram parte fundamental do caos.
� verdade que setores da sociedade civil sonham com mais um golpe como forma de esconder o desgoverno que eles mesmos produziram. H� setores do empresariado nacional que articulam abertamente nesse sentido, sonhando como isto n�o terem que se confrontar mais com uma popula��o que luta pelos seus interesses. Para tanto, eles apelam ao artigo 142 da Constitui��o de 1988.
Este artigo fora, desde o in�cio, uma aberra��o legislativa imposta pelos pr�prios militares. Ele legalizava golpes de Estado, da mesma forma que o artigo 41 da Rep�blica de Weimar, que versava sobre o estado de emerg�ncia, permitiu a ascens�o da estrutura institucional do nazismo. Segundo o artigo, se qualquer poder chamar as For�as Armadas para garantirem a ordem, se digamos o sr. Rodrigo Maia fizer um apelo �s For�as Armadas porque h� "caos" em demasia, o golpe est� legalizado. Ou seja, � verdade, nossa Constitui��o tinha uma bomba-rel�gio no seu seio. Bomba pronta a explodi-la, como agora se percebe.
Contra essa marcha da insanidade, h� de se lembrar que, se chegamos ao ponto no qual um general na ativa pode expor abertamente que conspira contra o poder civil, ent�o cabe �queles que entendem n�o terem nascido para serem subjugados pela tirania, que n�o est�o dispostos a abrir m�o do resto de liberdade que ainda t�m para se submeter a mais uma das infind�veis juntas latino-americanas, prepararem-se para exercer seu mais profundo direito: o direito de resist�ncia armada contra a tirania.
Que os liberais se lembrem de John Locke e de seu "Segundo Tratado sobre o Governo". Que os protestantes se lembrem de Calvino e de sua "Institui��o da Religi�o Crist�". E que o resto se lembre que a liberdade se defende de forma incondicional.
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