![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
A raz�o em Pascal tem por objeto o reconhecimento da desmesura
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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"Do Esp�rito Geom�trico e da Arte de Persuadir e Outros Escritos de Ci�ncia, Pol�tica e F�" � uma colet�nea de textos de Blaise Pascal enfim traduzidos e editados em portugu�s em edi��o cuidadosa de Fl�vio Fontenelle Loque (Aut�ntica, 192 p�gs.).
Juntamente com os "Pensamentos e as Cartas Provinciais", ele fornece os textos principais de um dos mais impressionantes pensadores do s�culo 17 em sua articula��o cruzada entre matem�tica, pol�tica radical e teologia.
Fil�sofo ligado ao jansenismo e sua articula��o entre rigor moral, cr�tica de si e insubmiss�o pol�tica, Pascal fornece, nesses escritos, os eixos principais de sua experi�ncia intelectual. � evidente aqui sua maneira de levar o que o que chamar�amos atualmente de "problemas epistemol�gicos" a se desdobrarem em afirma��es de claras consequ�ncias metaf�sicas.
Tomemos, por exemplo, o manuscrito que abre a colet�nea, a saber, "Do Esp�rito Geom�trico". A princ�pio, pode parecer estarmos diante de um cl�ssico texto no esp�rito protoiluminista daqueles que afirmar�o serem as matem�ticas e a geometria o modelo racional de apreens�o de um modo desencantado.
No entanto, o verdadeiro objeto de tais elabora��es paulatinamente vai se descortinando. Pascal luta contra aqueles que querem, por meio da raz�o, assegurar a inexist�ncia do infinito, como aqueles que asseguravam que o espa�o podia ser dividido em duas partes indivis�veis, em vez de assumir o princ�pio de uma divis�o ao infinito, de uma acelera��o ao infinito, de uma diminui��o ao infinito. N�o h� ge�metra, dir� Pascal, que n�o creia ser o espa�o divis�vel ao infinito. Crer nisso seria como crer em um "homem sem alma".
A analogia � mais sugestiva do que parece. Atrav�s do infinito, a raz�o expressa a exist�ncia do que o entendimento n�o alcan�a. Ela ultrapassa o que o entendimento n�o concebe. A geometria permite, assim, "admirar a pot�ncia da natureza nessa dupla infinidade [do infinitamente grande e do infinitamente pequeno] que nos circunda por todos os lados".
Tal exist�ncia pode ser reconhecida n�o pela sua apreens�o sens�vel, mas devido � compreens�o da falsidade de seu contr�rio ("h� o que � espacialmente indivis�vel").
Ou seja, a raz�o em Pascal tem por objeto o reconhecimento da desmesura. O infinito matem�tico � uma astuta porta de entrada ao reconhecimento de realidades infinitas que nos atravessam e nos circundam por todos os lados.
"O sil�ncio desses espa�os infinitos me apavora", dizia Pascal em seus "Pensamentos". Inicialmente, parece que estamos diante da afirma��o de que a passagem do mundo fechado da f�sica aristot�lica, com seus lugares naturais e qualitativamente distintos, ao universo infinito pr�prio dos espa�os ilimitados e homog�neos da f�sica galilaica teria silenciado todo finalismo e toda teologia.
Da� porque "esses espa�os infinitos" pareceriam silenciar um mundo que ent�o cantava a gl�ria e o necessitarismo finalista da cria��o de Deus.
De fato, Pascal n�o cansar� de afirmar, na aurora da modernidade, que entr�vamos na era de um "Deus escondido" que n�o se faz ver como o Sol ao meio-dia.
Mas ele era escondido e silencioso n�o porque entr�vamos em um mundo desencantado, no qual a natureza aparecia como uma m�quina cujas rela��es de causalidade lhe seriam completamente imanentes.
Deus se silenciaria a partir de ent�o porque, em espa�os infinitos –e esta � uma das consequ�ncias principais do pensamento pascalino–, � imposs�vel eliminar a realidade ontol�gica do acaso. Espa�os infinitos t�m rela��es e implica��es poss�veis infinitas, o que � outra forma de dizer que neles o acaso n�o pode ser eliminado. O que silencia Deus n�o � a for�a explanat�ria da ci�ncia, mas o reconhecimento da irredutibilidade do acaso.
Mas o acaso silencia tanto Deus quanto os reis. O que faz de algu�m um rei, dir� Pascal, n�o � lei natural alguma, mas uma sucess�o inumer�vel de acasos que o poder procura esconder como o mais profundo de seus segredos.
Pois o acaso destitui a naturalidade da autoridade e coloca os reis em uma condi��o de "perfeita igualdade com todos os homens". Para alguns, isto � ainda mais apavorante do que o sil�ncio desses espa�os infinitos.
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