![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
O sil�ncio
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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H� algo de instrutivo no ritual que o Congresso Nacional ofereceu ao pa�s na �ltima quarta-feira, quando um ocupante do cargo da Presid�ncia, gravado em situa��o flagrante de prevarica��o e corrup��o passiva, formalmente denunciado pela Procuradoria Geral da Uni�o, foi poupado.
� dif�cil imaginar algum pa�s no mundo que chegaria a um espet�culo tamanho de degrada��o comandado por uma casta de pol�ticos dignos de filmes de g�ngsteres s�rie B. Ao menos, depois dessa confiss�o de desprezo olig�rquico pela opini�o p�blica, quem sabe agora parem de falar que estamos em uma "democracia".
Enquanto o pa�s assiste a universidades p�blicas suspenderem as aulas por se encontrarem em situa��o falimentar, servi�os p�blicos entrarem em deteriora��o, ag�ncias de pesquisa decretarem estado de calamidade e 3,6 milh�es de pessoas sa�rem da classe m�dia baixa em dire��o � pobreza, o ocupante do trono da Presid�ncia, �nico presidente da hist�ria brasileira a ser denunciado pela Justi�a no cargo, gastava milh�es de reais em suborno expl�cito de deputados, uso de cargos p�blicos para aliciamento de votos e libera��o de emendas escusas a fim de garantir sua sobrevida.
Ou seja, bem-vindos a uma cleptocracia que agora n�o faz nem sequer quest�o de conservar as apar�ncias. H� algo de terminal quando at� mesmo as apar�ncias j� n�o s�o mais conservadas. Tudo isso com o benepl�cito daqueles que dizem que o pa�s precisa, afinal, de "estabilidade".
Com se v�, h� algo de muito interessante no conceito de "estabilidade" que circula atualmente. Uma estabilidade da pauperiza��o, da precariza��o do emprego, do desmonte dos servi�os p�blicos e da redu��o final da rep�blica brasileira a uma farsa macabra.
Contra isso, h� aqueles que falam que receberam uma "heran�a maldita" do governo anterior. Algu�m deveria explicar essa repeti��o compulsiva que nos acomete. Vivemos em um pa�s onde todo governo usa o expediente de culpar a heran�a maldita do anterior para mascarar sua pr�pria impot�ncia. O c�mico � que eles sempre encontram algu�m a continuar a vociferar a mesma estrat�gia surrada de sempre.
Mas o que pode realmente impressionar alguns � o sil�ncio com que este momento foi recebido por setores da sociedade brasileira ou, antes, os expedientes que vemos para justificar a passividade. Por que as ruas n�o queimam, perguntam?
Ao menos tr�s fatores deveriam ser levados em conta aqui.
Primeiro, porque estamos falando de um governo que atira em manifestantes em toda impunidade, como vimos na �ltima manifesta��o de greve na Esplanada dos Minist�rios. Ele usa seu bra�o armado para cegar estudantes com bala de borracha, atemorizar a popula��o nas ruas com sua pol�cia gestora da desordem, amea�ar com puni��es os que entram em greve e ridicularizar o fato de 35 milh�es de pessoas pararem o pa�s (como na �ltima greve geral). Ou seja, boa parte das pessoas n�o sai �s ruas porque elas t�m medo da viol�ncia do Estado, j� que elas tacitamente sabem que n�o t�m mais garantias alguma de integridade.
Segundo, porque h� um setor da sociedade brasileira que nunca teve problemas com corrup��o, mesmo que tenham sa�do �s ruas em 2015 falando o contr�rio. Eles sempre votaram em corruptos not�rios e continuar�o fazendo isto. O �nico problema deles era com o governo anterior. Derrubado o governo, todos eles voltaram para casa e continuar�o l� para todo o sempre.
Por fim, n�o h� ningu�m nas ruas porque a esquerda brasileira entrou em colapso. Presa entre a tentativa de ressuscitar o que morreu e a incapacidade de encontrar outra forma de incorpora��o gen�rica de sua multiplicidade de demandas em um ator pol�tico unificado, ela encontra-se paralisada e sem capacidade de dizer claramente o que quer, qual seu horizonte.
Queremos simplesmente retornar ao passado recente, conservar o que est� sendo desmontado, ou temos algo a mais a propor? Conseguiremos fazer a maioria da popula��o brasileira sonhar e acreditar em sua pr�pria for�a de transforma��o e luta ou empurraremos todos a um horizonte desinflacionado de mudan�as, como se isso fosse a express�o de um realismo duro, por�m pretensamente necess�rio?
Sem clareza acerca desses pontos, ningu�m avan�ar� um passo.
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