![vladimir safatle](http://f.i.uol.com.br/folha/colunas/images/15152396.jpeg)
� professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de S�o Paulo). Escreve �s sextas.
Autocr�tica e vontade
Marcelo Cipis/Editoria de Arte/Folhapress | ||
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Uma das palavras mais evitadas na pol�tica brasileira atual � "autocr�tica". Para muitos, ela � sinal de fraqueza, coisa de quem tem a estranha compuls�o por jogar no time advers�rio ou o infantilismo de quem desconhece a dureza da realidade do embate pol�tico.
No m�ximo, autocr�tica � algo que se faz entre quatro paredes, sem exposi��o p�blica e de forma discreta. Esta perspectiva, infelizmente, � moeda corrente em todas as posi��es e espectros pol�ticos.
H� de se perguntar, entretanto, que tipo de pensamento pol�tico � este no qual a autoinspe��o p�blica de suas cren�as e pr�ticas � compreendida como impot�ncia, e n�o como a verdadeira for�a.
Um pensamento que precisa alimentar a ilus�o faloc�ntrica de infalibilidade ou de que, como se diz � cantonada atualmente, "estamos sendo julgados pelas nossas virtudes, n�o pelos nossos erros".
Tal pensamento insistir� que agora n�o � hora para autocr�tica, afinal nos encontramos em embate renhido contra for�as opostas.
No entanto, � interessante como, para seus defensores, a hora da autocr�tica nunca deve chegar, at� porque sempre estaremos em luta constante, sempre ser� necess�rio alimentar a mobiliza��o atrav�s do "n�o podemos parar agora".
Contudo, para o tempo da autocr�tica chegar, eles deveriam aceitar que o melhor governo n�o � aquele que repete compulsivamente que fizemos tudo certo, mesmo que tudo tenha dado errado.
O melhor governo � aquele que reconhece o car�ter fal�vel de suas a��es e a necessidade de rev�-las a partir de suas consequ�ncias. Seguran�a ontol�gica n�o existe em pol�tica e saber disso � a �nica maneira de ser realmente fiel ao que realmente conta.
Por�m, o mais interessante nesse tipo de pensamento � o que acontece quando s�o criticadas as op��es de governo, como essas que foram feitas nos nossos �ltimos anos de democracia formal, j� que democracia agora n�o h�, nem mesmo em sua vers�o formal.
Se voc� insiste nas consequ�ncias catastr�ficas das op��es gradualistas e conciliat�rias que marcaram nossos �ltimos anos, a acusa��o imediata ser� a de "voluntarismo pol�tico". Afinal, dizem, voc� acha que � simplesmente tendo vontade que se produzem transforma��es em um pa�s como o Brasil?
O que eu particularmente mais gosto nesses tipos de afirma��es � seu tom de reprimenda paterna.
Lembra o pai que, de forma impaciente, volta-se contra o filho e diz: "Mas voc� n�o sabe nada do mundo, a realidade � muito mais complexa. Voc� ver� como o curso das coisas quebrar� a petul�ncia da sua vontade".
H� muito mais "pais de plant�o" do que imagina sua v� filosofia. Afirma��es como essas, todavia, s�o um boa maneira de expor n�o exatamente o onirismo do filho, mas a impot�ncia do pai, ou melhor, sua tentativa de travestir a impot�ncia com as vestes da sabedoria. Algo muito comum entre n�s atualmente.
Mais honesto seria come�ar por lembrar como esquecemos, nestes �ltimos anos, de um princ�pio elementar: nada pode ser transformado se as estruturas pol�ticas permanecem as mesmas.
A primeira coisa a fazer quando aqueles comprometidos com transforma��es profundas assumem o poder � exatamente modificar o poder, e n�o tentar operar aceitando suas regras expl�citas e, principalmente, impl�citas.
Mas aqueles de boa mem�ria lembrar�o que a primeira a��o da esquerda brasileira no poder foi, pasmem, uma reforma previdenci�ria, e n�o uma refunda��o da institucionalidade pol�tica brasileira. Sequer discuss�o s�ria e press�o pol�tica houve nesse sentido.
Falar em correla��o desfavor�vel de for�as em governos que chegaram a ter impressionantes 80% de popularidade � algo da ordem da desonestidade intelectual. Creio que isso, na verdade, diz muito a respeito do que os defensores da "autocr�tica depois" ou da "autocr�tica tudo bem, mas de leve" talvez realmente queiram, por�m sem saber. Talvez eles queiram, atualmente, apenas que tudo volte a ser como antes. Dif�cil imaginar que se vai muito longe assim.
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