A economia do resto do mundo não vai se comover grande coisa com a saída do Reino Unido da União Europeia, seja a retirada caótica ou ordeira.
Depois do choque de 2016, essa passou a ser a opinião mais comum entre analistas reputados sobre os efeitos econômicos do “brexit”.
Quanto à política, não parece ser o caso. A derrota da primeira-ministra conservadora britânica, Theresa May, é mais um momento relevante do tumulto das maiores democracias do mundo, notável e especialmente marcado justamente pela vitória do “brexit” e, a seguir, pela eleição de Donald Trump.
A cavalgada do populismo logo atropelou outros países relevantes, como a Itália, e agora ameaça a França, por exemplo.
Como se recorda, os britânicos votaram por deixar a União Europeia em junho de 2016, plebiscito que fora prometido pelo Partido Conservador em 2013, “para inglês ver”, gracinha demagógica a fim de agradar a eleitorados mais radicais. Os aprendizes de feiticeiro não controlaram a maré nacionalista tosca e se espatifaram. O “brexit” venceu.
Foi uma vitória apertada dos “Leavers” (pró-saída), por 51,9% dos votos, em uma campanha sórdida, recheada de mentiras rastaqueras a respeito de vantagens e desvantagens de permanecer na União, propaganda temperada ainda de racismo, nacionalismo odiento e escassa racionalidade econômica. Parece a descrição de tantos outros processos políticos pelo mundo, é fácil perceber.
A primeira-ministra May, essa pessoa desagradável e reacionária, foi derrotada tanto por “Remainers” (deputados pró-UE) como por “Leavers” radicais, que querem cortar logo, de qualquer modo e totalmente os laços com a UE. E daí?
Na União Europeia e mesmo no Reino Unido há quem veja na derrota de May uma última e pequena chance de evitar a ruptura, talvez até por meio de um novo plebiscito. Mas há quem queira mudar logo de assunto ou mesmo quem espere ver o Reino Unido se estatelar economicamente, sendo punido pela traição do projeto europeu.
O governo francês, por exemplo, quer virar a página de modo que não se sopre a brasa e toque fogo em discussões separatistas e gritos nacionalistas por toda a Europa, que já são chamas na Itália e podem chamuscar a França.
As alternativas em debate para May e o “brexit” são muito enroladas e com detalhes esotéricos para brasileiros. De mais importante a reter, do seu efeito global:
1) o sistema político dominado por partidos de centro-esquerda e centro-direita, cada vez mais indiferenciados, continua a afundar, sem dar respostas a problemas como desindustrialização, fim do emprego “tradicional”, desigualdade, insegurança econômica, imigração e terrorismo, por exemplo;
2) as alternativas por ora mais salientes a esse sistema desacreditado são nacionalistas, extremistas, inimigas do parco sistema de cooperação internacional, quando não francamente autoritárias ou adeptas do caos como política, uma espécie de revolução pelo apodrecimento institucional (vide o que apronta Trump nos EUA) ou revoltas sem proposta institucional definida (vide os “coletes amarelos” na França).
Em especial na Europa, mas não só, o debate do “brexit” ajuda a organizar os militantes populistas contra o establishment. É um exemplo, em escala menor, do efeito que a política nacional pode ter no restante do mundo —lembrem-se da inspiração que foram a vitória de Trump e seus métodos.
Parodiando os comunistas, “a classe populista é internacional”.
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