Na coluna publicada nesta segunda (7), comentei brevemente a obra mais conhecida de Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875) —"A Província - Estudo sobre a Descentralização no Brasil"— a propósito de exemplificar a longa e rica tradição federalista no país.
O livro, de 1870, pode causar surpresa ao leitor contemporâneo pela radicalidade e pelo vanguardismo das ideias liberais desse intelectual e político nascido em Alagoas que se formou, como era comum para a elite da época, na faculdade de direito do largo de São Francisco, em São Paulo.
Como o que foi destacado na coluna é apenas uma pequeníssima amostra do conjunto de passagens notáveis da obra, elenco abaixo alguns desses excertos.
Limitar o poder é descentralizar o poder:
"Reduzir o poder ao seu legítimo papel, emancipar as nações da tutela dos governos, obra duradoura do século presente, é o que se chama descentralizar. A descentralização, que não é, pois, uma questão administrativa somente, parece o fundamento e a condição de êxito de quaisquer reformas políticas. É o sistema federal a base sólida de instituições democráticas."
"Descentralizai o governo; aproximai a forma provincial da forma federativa; a si próprias entregai as províncias; confiai à nação o que é seu; reanimai o enfermo que a centralização fizera cadáver; distribuí a vida por toda a parte: só então a liberdade será salva."
Em 1834, uma reforma constitucional havia dado autonomia às províncias, mas seu espírito foi sendo deturpado ao longo das décadas seguintes:
"Não será tempo de rever as leis e os decretos parasitas que amputaram a reforma de 1834, renovando a centralização contra a qual se insurgiram as províncias?
Será justo que nenhum quilômetro de caminho de ferro se possa construir na mais remota parte do Império, sem que o autorize, sem que o embarace, o demore ou o condene o governo da capital?
Será razoável que o Pará, há mais de 14 anos, solicite uma ponte para a alfândega; Pernambuco, desde 1835, a construção do seu porto; e o Rio Grande do Sul, desde a Independência, um abrigo na costa?"
Tentar impor molde institucional único a todas as regiões num país continental não dá certo:
"Examinai por que estragou-se a larga concepção da lei municipal de 1828: é que não se ajusta a condições variáveis de um país tão vasto e tão desigual uma organização teórica do governo local.
Examinai por que não vingou uma das mais nobres instituições de 1832, o juiz de paz, magistrado popular da primeira instância e tribunal supremo das mínimas lides: é que desde logo se reconheceu que o juiz eletivo [o juiz de paz era então eleito] supunha uma certa civilização no mesmo nível.
Não raros casos ou ocorrências locais mostraram ser prematuras, em algumas regiões do país. Do insucesso das leis verificado em alguns lugares concluiu-se contra a sua conveniência; não se contentaram de aboli-las aqui ou ali; aboliram-se em todo o Império."
Não basta libertar o escravo, é preciso incluí-lo pelo ensino:
"Ei-lo, portanto, assaz indicado o alvo dos nossos esforços: emancipemos e eduquemos. A despesa que com isso fizermos, civilizando infelizes compatriotas, é muito mais eficaz para o nosso progresso do que a difícil importação de alguns milhares de imigrantes.
Desde já, sem perda de tempo, multipliquem as províncias boas escolas e bons professores; paguem os senhores a taxa escolar por cada um de seus escravos."
A educação deveria recusar o segregacionismo racial:
"Fique sem demora abolido de nossos regulamentos o bárbaro princípio que expele o escravo das escolas, triste plágio de uma das vergonhas dos Estados Unidos antes da emancipação. Em suma, já felizmente coadjuvadas nisto pela tolerância e índole brasileiras, não permitam as províncias aulas separadas para os indivíduos de cada raça, mas reúnam-nos todos em estabelecimentos comuns, nacionais, sem distinção de origem ou cor.
Se formidáveis prejuízos ainda obrigam os norte-americanos a respeitar essa odiosa distinção, o Brasil, pelo contrário, respeita e pratica o princípio da igualdade absoluta das raças: e é por isso também que a solução do problema servil será aqui muito menos grave que em parte alguma do mundo."
A instrução é como um capital humano, que aumenta a capacidade de produzir:
"O que reservareis para suster as forças produtoras esmorecidas pela emancipação [dos escravos]? O ensino, esse agente invisível que, centuplicando a energia do braço humano, é a mais poderosa máquina de trabalho."
O Brasil, com frequência escolar pífia, está muito atrasado em relação a outros países:
"Nosso povo não entrou ainda na órbita do mundo civilizado. É o que atesta a frequências das escolas primárias. Essa frequência mal atinge a média de 1 aluno por 90 habitantes em todo o Império. Compara-se este sinistro algarismo com o de alguns dos Estados Unidos, onde a média é 1 por 7; nem se esqueça que, se na própria capital do Império há apenas 1 aluno por 42 habitantes, das 20 províncias há sete onde a proporção é 1 por 100, e há mesmo uma (o Piauí) onde excede ainda a 1 por 200."
Reduzir o atraso na educação primária exige da população sacrifício tributário, a taxa escolar:
"Carecem as províncias alargar os estreitos limites da sua parca receita; carecem fundar a verdadeira instrução popular, abrindo escolas por toda a parte e confiando-as a mestres idôneos. Ora, isto exige o dispêndio de somas consideráveis, que não comportam os seus modestos orçamentos. Daí a necessidade da taxa escolar."
Para diminuir os impostos, o governo central precisa combater setores protegidos:
"Se o mais seguro meio de atingir a redução do imposto é o de reduzir simultaneamente a despesa, haja um governo patriótico que se levante sobre as ruínas dos ministérios áulicos, e combata as grandes causas permanentes dos nossos embaraços financeiros —o funcionalismo exagerado pela centralização, o luxo administrativo, os subsídios estrangeiros, a onerosa política de intervenção e proteção."
Tolerância, reformas e abertura são os meios para atrair imigrantes qualificados:
"Casamento civil para todos que não queiram ou não possam alcançar a solenidade do ato religioso, garantias da liberdade de consciência, eliminada a desigualdade política dos cultos, naturalização facilitada, reforma da lei de locação de serviços, redução dos preços das terras e sua concessão gratuita em certos casos, portos coloniais franqueados ao comércio direto, livre navegação costeira, abertura de grandes vias terrestres e fluviais, emancipação da escravatura e, em suma, leves impostos de consumo, pois os atuais exageram o custo de todas as comodidades da vida: eis, entre outras, as medidas de que muito depende o futuro da imigração para o Brasil.
Ajuntai aos graves inconvenientes, que elas removeriam, a influência geral das nossas instituições e o peso da centralização que nos esmaga: deve acaso maravilhar-nos a preferência que os imigrantes dão aos Estados Unidos, ao Canadá, à República Argentina e à Austrália?"
Para combater a concentração de terras e o entrave ao desenvolvimento que significa, um imposto sobre as grandes propriedades rurais:
"Acelerar a divisão das terras, combater a tendência para desmedidas propriedades incultas, é remover o mais formidável obstáculo ao estabelecimento de imigrantes espontâneos nos distritos próximos dos atuais mercados. Por outro lado, é acaso justo que proprietários beneficiados pelas vias de comunicação, construídas e mantidas à custa de todos os contribuintes, deixem de concorrer para novos melhoramentos materiais? Eis o duplo fim do imposto territorial que há muitos anos se tenta criar."
"É do maior interesse nacional a generalização da pequena propriedade, tanto como a rápida conversão do simples trabalhador em proprietário, seja cada um isoladamente, seja por contrato de parceria ou outra forma cooperativa."
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.