Psicanalista, fala sobre rela��es entre pais e filhos, as mudan�as de costumes e as novas fam�lias do s�culo 21
Enxurrada pol�tico-on�rica no teatro de Gerald Thomas
Duas mulheres nuas est�o penduradas pelo bra�o, com os p�s sobre dois pedestais nos quais mal se apoiam. De cima de cada uma jorra incessantemente um fio de sangue. Ao fundo um desenho alude a uma caravela. Estamos na senzala, na Inquisi��o, em Guant�namo, na ditadura militar ou na diuturna persegui��o a transexuais?
N�o h� conversa, corriqueira que seja, que n�o acabe na constata��o de que vivemos tempos dif�ceis. As discuss�es atuais fazem supor que a humanidade j� foi, em algum per�odo, melhor que isso. Argumento dif�cil de sustentar, bastando lembrar Inquisi��o, escravid�o e guerras para que capitulemos na defesa do passado. Mas temos que convir que hoje a quest�o do tempo � algo in�dita. O descompasso entre o tempo externo, das redes sociais e o tempo interno, dos nossos afetos e de nossa compreens�o � assustador. Tudo � r�pido e � muito, � tudo muito r�pido. Esse tro�o chamado modernidade n�o tem perspectiva de freio, nem amortecedor. Ainda assim, que o saudosismo n�o nos sirva de guia em dire��o � barb�rie (lembremos o clamor de alguns pela volta ao regime militar!).
Uma mulher corre em c�rculos entre peda�os de corpos chamando desesperadamente por algu�m, ao som de metralhadoras. Outra mulher rega cuidadosamente um jardim de guarda-chuvas imprest�veis. Estamos em 11 de setembro, Aleppo ou na periferia de S�o Paulo?
Os tempos do sujeito, tempos de cada um de n�s para amar, odiar, desejar s�o incomensur�veis e regidos pelo nosso inconsciente. Quanto tempo dura o luto de um grande amor, o ressentimento de uma humilha��o, o efeito da descoberta de um segredo familiar? Tememos as manifesta��es do inconsciente e fazemos de tudo para ignor�-las. S� levamos uma psican�lise a cabo porque n�o suportamos conviver com n�s mesmos e porque nossos jeitos de tentar driblar as ang�stias geram sintomas sofridos demais. Fazer an�lise "para se conhecer melhor", como se fosse turismo, � papo furado de estudante de psicologia.
Duas mulheres, sustentadas por cabos, flutuam numa coreografia de tirar o f�lego, ora como personagens kafkanianos, ora como amantes/rivais. Somos a profus�o de la�os e desencontros, sexo e socos, que suspira por um simples abra�o?
Os sintomas s�o como uma mensagem colocada numa garrafa e jogada ao mar por n�s mesmos na esperan�a de que os encontremos e os leiamos. Tentar ignor�-los equivale a queimar a mensagem antes de l�-la e, pior, n�o nos livra deles. O desamparo � afeto inerente � experi�ncia humana. Os efeitos sobre o la�o social se d�o na medida que acreditamos que algu�m poder� nos salvar do desamparo. A busca por um salvador serve como uma luva �s tiranias de plant�o. Como tem apontado com rigor Vladimir Safatle, nada mais alarmante no Brasil de hoje do que a instrumentaliza��o pol�tica dos afetos de medo e esperan�a.
"Dil�vio", pe�a arrebatadora de Gerald Thomas em cartaz no Sesc at� 17/12, da qual sa�ram as cenas acima descritas, revela a forma que o artista encontra para lidar com o caos das ang�stias, que tanto nos movem, quanto nos paralisam. De uma coragem expl�cita, a encena��o aponta para a arte como alternativa ao terror. Aos que lutam contra a barb�rie todos os dias, de diferentes formas, nossos profundos aplausos.
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade