Grande parte da dificuldade de viver em tempos de crise climática é saber que a constatação da ciência já é uma realidade: eventos extremos, como as chuvas que tomaram o Rio Grande do Sul, só vão se tornar mais intensos e frequentes.
O que, no entanto, transforma esses eventos em tragédias –com dezenas de mortos, milhares de desabrigados e infraestrutura debaixo d’água– é a (ou a ausência de) ação humana. Também é ela, portanto, que pode evitar a repetição desses desastres. Como saber, então, se a sua cidade está preparada para enfrentar os eventos extremos?
A resposta passa pela Lei de Acesso à Informação (LAI), uma das ferramentas mais valiosas para que a cidadania não só tenha acesso às informações oficiais, como também possa questionar as decisões –ou omissões– de seus governantes.
A LAI, que completa 12 anos nesta quinta-feira (16), regulamenta o artigo 5º da Constituição, que garante o direito dos cidadãos de solicitar dados públicos, e o artigo 70, que estabelece o dever dos agentes públicos de prestar contas à sociedade.
Ao estabelecer que a transparência é a regra e o sigilo, a exceção, a legislação desponta como uma das mais revolucionárias e importantes da República. Afinal, é impossível cobrar e responsabilizar as autoridades por aquilo que não sabemos.
No caso do meio ambiente, há ainda dispositivos específicos de transparência, como a Lei de Transparência Ambiental e a Política Nacional sobre Mudança do Clima.
Mesmo assim, a opacidade ainda impera nessa área vital. Como mostramos em relatório elaborado pela Fiquem Sabendo, Transparência Brasil e Abraji, 47% das informações desejáveis para o acompanhamento da execução de políticas públicas ambientais do Ministério do Meio Ambiente estão incompletas ou indisponíveis.
Faltam dados atualizados sobre as emissões de gases do efeito estufa, mudanças de uso e cobertura do solo, indicadores ambientais nacionais, além de estratégias subnacionais para enfrentar a crise climática.
Essas lacunas têm impacto: impedem pesquisas, impossibilitam o escrutínio da imprensa, o preparo dos gestores públicos e inviabilizam a participação cidadã na concepção e fiscalização de políticas públicas.
Participação essa desprezada pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e pela Assembleia Legislativa do estado que, em poucos meses, alteraram quase 500 determinações do Código Ambiental local, construído ao longo de nove anos por diversos setores da sociedade, como mostrou a Folha.
A gestão ambiental e prevenção aos desastres é de responsabilidade dos três Poderes e depende da coordenação entre as esferas municipais, estaduais e federal. Para isso, é preciso centralizar as informações coletadas por cada uma e criar ferramentas para coordenação efetiva.
Nos dois anos que ocupamos a cadeira da sociedade civil no 5º Plano de Ação do Brasil, assumido pelo Brasil perante a Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership - OGP), vimos de perto a dificuldade dos órgãos federais de obter as informações coletadas pelos demais entes. O Painel Nacional de Licenciamento Ambiental (PNLA), por exemplo, não contém dados de quase metade dos estados.
Está na hora de Legislativo e Executivo elaborarem mecanismos para atrelar verbas complementares para estados e municípios ao cumprimento de critérios básicos de transparência.
Além disso, o Congresso precisa, com urgência, ratificar o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, já adotado por 15 países da região.
Popularmente conhecido como Acordo de Escazú, prevê, entre diversos mecanismos, o "compromisso de disseminar imediatamente toda a informação que possa ajudar a prevenir e reduzir danos, incluindo a criação de um sistema de alerta precoce para desastres e a emergência climática".
A falta de informações impede a fiscalização e o planejamento prévio para evitar danos. E, na hora do desastre, dificulta respostas efetivas. A LAI está aí para ser usada e permitir que a sociedade cobre a adaptação necessária para diminuir as terríveis consequências de eventos extremos.
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