Transparência pública

Maria Vitória Ramos e Bruno Morassutti, cofundadores da Fiquem Sabendo, abordam transparência e acesso à informação pública

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Transparência pública

Não há expectativa de privacidade para quem escolhe o setor público

A regra é clara: onde tem serviço, função ou recurso público, prevalece a transparência

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A proteção da privacidade e, em sua roupagem mais moderna, a proteção de dados pessoais sempre estiveram presentes nas discussões jurídicas brasileiras. Tanto a Constituição de 1988 quanto a LAI (Lei de Acesso à Informação), de 2011, asseguram a proteção a este direito fundamental. Mas foi em 2018, com a edição da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que o assunto ganhou nova proporção: subitamente, gestores públicos se tornaram fervorosos protetores de dados pessoais sensíveis e outras ameaças contra a honra, a privacidade, a intimidade e a vida privada.

É inegável que a privacidade é uma fronteira essencial contra as devassas arbitrárias oriundas do Estado ou de entidades privadas. A LGPD veio como resposta à massiva coleta de dados pessoais por big techs e governos, pensada para proteger o cidadão comum desses abusos. Porém, autoridades e gestores públicos surfaram a onda e passaram a usar a lei para esconder informações incômodas.

Ilustração mostra multidão e pessoas variadas andando, atrás delas, um olho gigante com segmentos de chip de computador no lugar de veias.
Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigor em 2020 e definiu critério para tratamento de dados no âmbito civil - Carolina Daffara

O resultado é uma série de retrocessos em matéria de transparência: diversos órgãos públicos ocultaram total ou parcialmente as informações sobre remuneração e currículo de seus agentes; entradas e saídas de prédios públicos passaram a ser negados; agendas de agentes públicos ocultadas; e dados de fornecedores da administração pública removidos de contratos. Em comum, essas decisões removem do escrutínio público informações essenciais para a formação da opinião e fiscalização da sociedade civil quanto a questões vitais para nossa democracia.

O direito à informação é considerado um direito "instrumental": isso significa que não é apenas um fim em si mesmo, mas um meio para o acesso e o exercício de outros direitos. É necessário informação para poder tornar socialmente responsáveis aqueles que tomam decisões com impactos para todos. Justamente por isso, quem escolhe voluntariamente participar da definição, execução e controle de políticas públicas deve ter um tratamento diferenciado quanto ao alcance da proteção da privacidade.

Em nosso regime jurídico, o direito à privacidade deve ser inversamente proporcional aos poderes atribuídos ao agente público. Em outras palavras: quanto mais poder, menos privacidade. Esse é o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), segundo o qual a publicidade é "o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano".

Por este motivo, a Fiquem Sabendo já provocou, com sucesso, que o TCU (Tribunal de Contas da União) determinasse a publicação da remuneração nominal de aposentados e pensionistas do governo federal, de empregados de empresas estatais, bem como o currículo e histórico funcional de indicados para cargos e funções comissionadas no governo federal.

Em resumo, tudo relacionado às funções exercidas no serviço público e ao uso de recursos públicos deve ser transparente. Nome, CPF parcial, remunerações, histórico profissional, processos administrativos, sanções e punições, agendas de compromissos, entre outros, não podem ser considerados dados pessoais restritos. Mantém-se a privacidade daquilo que não diz respeito à função pública: endereço residencial privado, dados biométricos e imagem quando fora do exercício da função.

Quem possui o poder de decretar uma intervenção, aprovar uma lei ou restringir a liberdade de outro não pode receber o mesmo tratamento que aqueles sem esses poderes. E quem recebe recursos públicos, seja mediante contratos, seja por meio de concessões de recursos financeiros ou renúncias fiscais, também abre mão de parte de sua privacidade.

Já se passaram quase três anos do início da vigência da LGPD, que é harmônica em relação à LAI. Não há mais espaço para confusão e má interpretação da compatibilidade entre elas.

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