Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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A residência literária que me fez revisitar a obra épica do poeta Camões

Evento na cidade de Coimbra foi marcado por reflexões e imersões literárias

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Você já se imaginou ser vizinho de dois ícones da literatura portuguesa, Eça de Queiroz, de um lado, e António Nobre, de outro, e conviver no lugarejo onde o poeta Luís de Camões (1524-1580), autor do clássico "Os Lusíadas", transitou entre a juventude e o início da vida adulta?

Pois é, eu pude ter este privilégio ao participar da Residência Literária da Casa de Cidadania da Língua, em Coimbra, nas últimas duas semanas.

Cidade de Coimbra, em Portugal - Freesurf - stock.adobe.com

Estive residente numa casa centenária, a duas portas da antiga habitação onde viveu o famoso romancista português, um dos mais importantes do país, e a cinco passos de onde morou o poeta simbolista, cuja obra teve grande ressonância na literatura brasileira.

A experiência, sem dúvida, foi imensurável. E aqui segue meu agradecimento à Associação Portugal-Brasil 200 Anos e ao município de Coimbra pelo convite e suporte ao desempenho do meu trabalho, ambos por me proporcionarem indispensável acolhida local e sustentarem o apoio durante minha estadia na bela cidade histórica.

Minha grande surpresa em Coimbra foi o contato direto com uma cidade ainda com fortes traços medievais. Visitei prédios que datam do século 12, como da Igreja de Santa Cruz, ao século 13, como da Universidade de Coimbra, que existe há 734 anos e por onde passaram muitos dos brasileiros. As muralhas de proteção da cidade, assim como a Sé Velha, ainda estão por lá, edificadas, protegendo centenas casas em estilo joanino, com suas belezas arquitetônicas e seus símbolos em cruzes náuticas, registros dos tempos das grandes navegações, que marcaram época.

É um ambiente de aventura, contemplação e para profundas análises de um passado bélico de domínio de territórios e povos. E nos fascina. Instiga. Mexe com o nosso brio e imaginação.

A residência, propriamente dita, constituiu-se em uma interativa imersão, na qual pude concluir o texto da novela "O Manuscrito", que parte do episódio do naufrágio de Camões e o salvamento pelo poeta dos originais do seu aclamado poema épico.

Dentro da estrutura de criação artístico-literária, "O Manuscrito" traz como contexto ingredientes de história policial e amorosa, baseados no aparecimento, em uma praia carioca, de uma misteriosa garrafa contendo no seu interior rolos de papéis, semelhantes a pergaminhos, com versos identificados como sendo do poeta lusitano, supostamente perdidos durante um dos naufrágios que sofreu.

Na narrativa, misturam-se elementos fundamentados em dados reais e fictícios da vida e da obra de Luís de Camões, alimentando um enredo eletrizante que envolve o seu principal personagem, o servidor público Alfredo Leal, numa trama de perseguições, criminosas quadrilhas de colecionadores e alfarrabistas, velhos especialistas em literatura camoniana, sequestros, tiroteios, muitas ações e aventuras de tirar o fôlego.

Durante o período da residência, que coincidiu com 45ª edição da Feira do Livro de Coimbra, participei de um painel, para falar dos 500 anos de nascimento de Camões, ao lado dos escritores portugueses Lídia Jorge, Mário Cláudio, António Carlos Cortez, a partir da mediação da especialista italiana Maria Bochicchio e de José Manuel Diogo, sob a chancela do Centro Interuniversitário de Estudos Camonianos da Universidade de Coimbra.

Foram praticamente duas semanas de buscas de memórias e ressignificados da importância do legado de um dos mais instigantes poetas da língua portuguesa de todos os tempos. Camões, ainda hoje, é um autor sem biografia, sem registros seguros sobre sua infância e estudos, sobre seus familiares. Ignora-se onde esteja enterrado.

Altamente enriquecedora, esta oportunidade me levou a revisitar a obra poética do poeta luso. Li, com vivo interesse, a nova edição, revista, comentada e com riquíssimas ilustrações de "Os Lusíadas" (Editora Nova Fronteira) organizada por Alexei Bueno, um dos maiores especialistas brasileiros na obra quinhentista.

Ao voltar ao Brasil, fiquei pensando como seria daqui a cinco séculos o tratamento a Machado de Assis, a Conceição Evaristo, a Sueli Carneiro ou a jovens escritores como um Geovani Martins, por exemplo.

A percepção da falta de investimentos em pesquisas no campo literário e histórico em Portugal igualmente percebo aqui no Brasil, como declarei na minha passagem por Coimbra. Mas espero que, daqui a 500 anos, estes tempos que não nos permitem saber quem de fato foi Luís de Camões sejam outros em nosso país.

Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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