Graças a Deus que a sociedade civil de Israel forçou o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu a interromper, por enquanto, sua tentativa de impor controle sobre o Judiciário independente do país e ganhar carta branca para governar como bem entender.
Mas todo esse caso expôs uma nova e preocupante realidade para os Estados Unidos: pela primeira vez, o líder de Israel é um ator irracional, um perigo não apenas para os israelenses, mas também para importantes interesses e valores americanos.
Isso exige uma reavaliação imediata tanto do presidente Joe Biden quanto do lobby judeu pró-Israel nos EUA. Netanyahu basicamente disse a todos: "Confiem no processo", "Israel é uma democracia saudável" e, num sussurro, "Não se preocupem com os fanáticos religiosos e supremacistas judeus que coloquei no poder para ajudar a impedir meu julgamento por corrupção. Manterei Israel dentro de seus limites políticos e dos da política externa tradicional. Sou eu, seu velho amigo Bibi".
Eles queriam confiar nele, e tudo acabou sendo uma mentira.
Desde o primeiro dia, ficou óbvio para muitos de nós que este governo israelense iria a extremos que nenhum antes jamais ousara. Sem grades de proteção reais, isso levaria os EUA e o judaísmo mundial a limites que eles nunca imaginaram cruzar, ao mesmo tempo em que possivelmente desestabilizaria a Jordânia e os Acordos de Abraão, eliminando a esperança de uma solução de dois Estados e levando Israel, em seu 75º aniversário, ao limite da guerra civil.
Isso porque a chave para implementar a agenda radical do governo sempre foi, primeiro, obter o controle da Suprema Corte de Israel –o único freio independente legítimo às ambições de Netanyahu e a seus parceiros extremistas de coalizão– por meio de um processo disfarçado de "reforma judicial".
Com o Judiciário controlado, Israel seria governado mais como autocracias eleitas, como Hungria e Turquia, do que como o Israel que o mundo sempre conheceu. E Netanyahu e seus parceiros buscaram esse tipo de controle político dos tribunais acima de qualquer outra prioridade, levando o país à beira de uma "guerra civil" –como Netanyahu admitiu em seu discurso nacional na noite de segunda-feira (27).
Diante da proximidade desse conflito –depois de uma revolta sem precedentes no fim de semana de uma enorme parcela da sociedade israelense, suas Forças Armadas e até mesmo alguns membros de seu próprio partido–, Netanyahu se ofereceu para suspender suas tentativas de controle e deu cerca de um mês para negociações com a oposição para ver se um compromisso pode ser forjado.
Vamos ver o que acontece. Mas uma coisa já está clara: Netanyahu se tornou a definição de um ator irracional nas relações internacionais, alguém cujo comportamento não podemos mais prever e em cujas palavras Biden não deve confiar.
Para começar, os EUA precisam garantir que Netanyahu não use armas americanas para se envolver em qualquer tipo de guerra com o Irã ou o Hizbullah sem o endosso total e independente do alto comando militar de Israel, que se opôs a seu golpe judicial.
Por que insisto que Netanyahu se tornou um ator irracional e um perigo para nossos interesses e valores? É uma pergunta que pode ser respondida com outra.
Como você descreveria um premiê israelense e seu filho que, após 50 anos em que os Estados Unidos enviaram a Israel bilhões e bilhões de dólares em assistência econômica e militar, têm disseminado a mentira de que o governo americano estava por trás das grandes manifestações contra o premiê? Elas não poderiam ser um autêntico protesto de base popular? Tinha que ser financiado pelos EUA!
Eu não estou inventando isso.
Esse não é o único sinal de como Netanyahu se tornou um ator irracional. Pergunte a si mesmo: qual premiê racional arriscaria fraturar suas Forças Armadas –o que essa tentativa de tomada judicial tem feito– num momento em que o Irã pode produzir material físsil suficiente para uma bomba nuclear em menos de duas semanas e está acumulando conquistas diplomáticas com os aliados árabes de Israel?
Há pouco mais de uma semana, o ministro da Defesa de Netanyahu, Yoav Gallant, um respeitado líder militar que começou como um comandante naval, deu ao primeiro-ministro uma escolha: congelar sua tentativa de golpe judicial sem um diálogo nacional ou ir em frente, fazer seu ministro da Defesa renunciar e grandes segmentos das reservas do Exército e da Força Aérea se recusarem a prestar serviço.
Netanyahu então fez o movimento notável de demitir Gallant. Como disse o correspondente militar do jornal Haaretz, Amos Harel: "É difícil pensar em um alto oficial de defesa que não tenha ficado profundamente chocado com a decisão de Netanyahu. Entre os atuais e ex-oficiais seniores das Forças de Defesa, a discussão se concentrou em avaliar se uma renúncia em massa de generais e de generais de brigada era necessária para conter a loucura".
Considere isto também: qual premiê racional arriscaria uma das maiores conquistas da diplomacia americana e israelense no Oriente Médio, os Acordos de Abraão, a fim de forçar uma tomada judicial que daria carta-branca aos supremacistas judeus e fanáticos nacionalistas em seu gabinete?
Estou falando de pessoas como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, que, como o jornal Axios descreveu na semana passada, "fez um discurso em um pódio em Paris apresentando um mapa que incluía a Jordânia e a Cisjordânia ocupada como parte de Israel e disse que o povo palestino era 'uma invenção'".
Isso assustou totalmente os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, sem falar na Jordânia, que é um pilar crítico da estratégia americana para o Oriente Médio. Se Netanyahu e companhia desestabilizarem a Jordânia, semearão o vento e colherão o redemoinho.
Finalmente chegou a hora de o governo americano, o Congresso americano e os líderes e lobistas judeus americanos, que muitas vezes foram facilitadores de Netanyahu, deixarem inequivocamente claro que eles também estão marchando com todos os israelenses –desde os militares, a comunidade de alta tecnologia, universidades, comunidades religiosas tradicionais, médicos, enfermeiros, pilotos da Força Aérea, banqueiros, sindicatos e até assentamentos– que saíram às ruas na última semana para garantir que o 75º aniversário da democracia israelense não seja o último.
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