Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Thomas L. Friedman

Putin despertou um gigante adormecido na Europa

Foi preciso viajar e me encontrar com políticos, diplomatas e empresários para entender o que aconteceu

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Berlim

Tenho escrito sem parar sobre a Guerra da Ucrânia desde que a Rússia invadiu o país, mas confesso que foi preciso ir à Europa e me encontrar com políticos, diplomatas e empresários para entender o que aconteceu. Pensava que Vladimir Putin tinha invadido a Ucrânia. Eu estava errado. Putin invadiu a Europa.

Ele não deveria ter feito isso. Este talvez seja o maior ato de loucura em uma guerra europeia desde que Adolf Hitler invadiu a Rússia, em 1941. Só compreendi isso completamente quando cheguei a este lado do Atlântico. De longe, era fácil supor –e provavelmente fácil para Putin supor– que um dia a Europa aceitaria a invasão total da Ucrânia, da mesma forma que a Europa se conformou quando ele devorou em 2014 a península da Crimeia, um pedaço remoto de território ucraniano onde encontrou pouca resistência e desencadeou ondas de choque limitadas. Errado, errado, errado.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, no desfile das celebrações do Dia da Vitória, em Moscou
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, no desfile das celebrações do Dia da Vitória, em Moscou - Kirill Kudryavtsev - 9.mai.22/AFP

Esta invasão –com soldados russos bombardeando indiscriminadamente prédios de apartamentos e hospitais ucranianos, matando civis, saqueando casas, estuprando mulheres e criando a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra– é cada vez mais vista como uma repetição no século 21 da agressão de Hitler contra o resto da Europa, que começou em setembro de 1939 com o ataque à Polônia. Acrescente a aparente ameaça de Putin de usar armas nucleares, alertando que qualquer país que interferir em sua guerra não provocada enfrentará "consequências nunca vistas", e tudo se explica.

Explica por que, praticamente da noite para o dia, o governo alemão dispensou quase 80 anos de aversão ao conflito e de manter o menor orçamento de defesa possível e anunciou um enorme aumento nos gastos militares e planos de envio de armas para a Ucrânia. Explica por que, da noite para o dia, a Suécia e a Finlândia abandonaram mais de 70 anos de neutralidade e se candidataram à adesão à Otan.

Explica por que, da noite para o dia, a Polônia desistiu de brincar com Viktor Orbán, o premiê populista, pró-Putin e anti-imigrantes da Hungria, e abriu as fronteiras para mais de 2 milhões de ucranianos, ao mesmo tempo em que se tornou uma ponte terrestre crucial para canalizar armas da Otan para a Ucrânia.

Explica por que, da noite para o dia, a União Europeia descartou anos de sanções econômicas mínimas contra a Rússia e disparou um míssil de sanções econômicas no centro da economia de Putin.

Em suma, o que eu pensava ser apenas uma invasão russa da Ucrânia tornou-se um terremoto europeu –"um despertar –bum!–, e então tudo mudou", como me disse Joschka Fischer, ex-ministro alemão das Relações Exteriores. "O status quo anterior não voltará. Você está vendo uma grande mudança na Europa em resposta à Rússia –não com base na pressão americana, mas porque a percepção de ameaça hoje é diferente: Putin não está falando só da Ucrânia, mas de todos nós e do nosso modo de liberdade."

No Fórum Econômico Mundial de Davos, na semana passada, entrevistei Anatoli Fedoruk, prefeito de Butcha, cidade onde a Rússia é acusada de assassinar dezenas de civis e deixar seus corpos nas ruas para apodrecer, ou empilhados numa vala comum, antes que as tropas russas fossem expulsas.

"Tivemos 419 cidadãos pacíficos assassinados de várias maneiras", disse-me Fedoruk. "Não tínhamos infraestrutura militar em nossa cidade. As pessoas estavam indefesas. Os soldados russos roubaram, estupraram e beberam... Estou realmente surpreso que isso esteja acontecendo no século 21."

Se essa foi a fase de "choque" desta guerra –e ela continua–, a fase de "espanto" é algo que detectei entre as autoridades europeias em Davos e Berlim. Para ser franco, enquanto os Estado Unidos da América parecem estar se separando, os Estados Unidos da Europa –os 27 membros da União Europeia– surpreenderam a todos, e principalmente a si mesmos, ao se unirem para fechar o punho, juntamente com várias outras nações europeias e a Otan, para impedir a invasão de Putin. Você quase podia sentir as autoridades da UE dizendo: "Puxa, nós fizemos esse punho? Esse é o nosso punho?".

Desde fevereiro, a UE impôs cinco pacotes de sanções contra a Rússia –sanções que não só prejudicaram gravemente a Rússia, mas também são caras para os países da UE em termos de negócios perdidos ou custos mais altos de matérias-primas. Um sexto pacote, acordado na segunda-feira (30), cortará cerca de 90% das importações de petróleo da Rússia para a UE até o final deste ano, ao mesmo tempo em que expulsará o Sberbank, o maior banco da Rússia, do Swift, o vital sistema global de mensagens bancárias.

Talvez a coisa mais impressionante seja a quantidade de refugiados ucranianos que os países da UE estão dispostos a abrigar sem muita reclamação. Há uma consciência de que os ucranianos estão lutando para defendê-los, para que os países da UE possam abrigar suas mulheres, crianças e idosos.

"Eles estão recebendo os mesmos cuidados de saúde, subsídios de infância e educação que os poloneses", disse-me Mateusz Morawiecki, primeiro-ministro da Polônia. "Por que não? Eles estão trabalhando e pagando impostos. A única coisa que eles não têm é o direito de votar."

Putin pensou que a UE se fragmentaria rapidamente sob sua pressão, acrescentou Morawiecki, "mas Putin estava errado. A Europa está agora muito mais unida do que antes da Guerra da Ucrânia".

Observando tudo isso, Putin deve estar se perguntando: "Isso é um punho que eu vejo vindo da UE para mim? Não pode ser! Não, espere... é! O que está acontecendo aqui! Achei que tinha a Alemanha no bolso –comprada e paga com minha gasolina barata. Eu nunca sonhei que eles apoiariam a Ucrânia dessa maneira e veriam minha invasão como um ataque a todos eles".

Mas foi exatamente o que aconteceu. Ainda assim, muitos na UE estão se perguntando por quanto tempo conseguirão manter esse punho doloroso. É uma pergunta legítima.

Espero que os ucranianos consigam manter sua posição por tempo suficiente para que armas ocidentais mais avançadas cheguem à luta e que as sanções da UE à Rússia realmente causem dificuldades, para que os ucranianos tenham força real com Putin em qualquer acordo negociado.

Dito isso, porém, não pude deixar de notar outro tema que percorreu minhas conversas. É a convicção de que, como esta guerra é tão de Putin, e como a barbárie de suas forças tem sido tão criminosa, enquanto Putin seguir no poder será muito difícil confiar na Rússia sobre qualquer coisa relacionada à Ucrânia.

Não ouvi ninguém defender a mudança de regime, mas também não ouvi ninguém dizer que sem ela o Ocidente poderá recuperar certa normalidade com a Rússia. Tudo isso quer dizer que algo muito grande com Putin se rompeu aqui, e esse será um problema quando passarmos à mesa de negociações –enquanto Putin liderar a Rússia. Mas Putin é um problema para o povo russo lidar, não para nós.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.