"Se vocês acham que o Brasil é um negócio que vai virar EUA, vocês estão no lugar errado. O Brasil não será EUA. Porque o Brasil é o país do coitadinho, do direito sem obrigação e é o país da impunidade. Isso é cultural. Não vai mudar." As palavras são do bilionário Beto Sicupira, em entrevista de 2014. Corta para 2023: o trio de acionistas de referência da Americanas —Lemann, Telles e o próprio Sicupira— podem ser convocados pela CPI para explicar a maior fraude corporativa da história.
No país em que a Justiça nega habeas corpus para um homem negro torturado por mera suspeita de furtar duas caixas de bombom, é estarrecedor que tenhamos usado por meses o eufemismo de "inconsistências contábeis" para descrever a fraude, agora admitida pelas Americanas na casa dos R$ 25 bilhões. Nos anais do capitalismo brasileiro, para usar o termo da revista Piauí, o que o jornalismo quer da gente é coragem de chamar as coisas pelo que elas são: tortura, chacina e fraude, para citar três exemplos. A Folha, neste ponto, tem produzido boas matérias a respeito.
Interessante, ademais, a comparação com os EUA na fala de Sicupira: foi justamente em 2014, mesmo ano da preleção do bilionário que ilustra a miopia do capital brasileiro, que um estudo de professores de Princeton e da Northwestern concluiu, a partir da análise de 1.779 decisões políticas, que os EUA deveriam ser melhor enquadrados como uma oligarquia de interesses econômicos, não uma democracia majoritária.
Em terras brasis, somente em maio deste ano que a Receita Federal começou a divulgar as empresas com benefícios fiscais de diversas ordens, alguns justificáveis, outros muitos não. O valor é o dobro do avaliado até o momento na fraude da varejista. Sobra discurso moralista dos nossos capitalistas, falta mesmo é escrutínio sobre as profundas entranhas da corrupção privada.
Se vocês acham que o Brasil é um negócio que vai virar EUA, vocês estão no lugar certo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.