Quarenta e seis centavos de real: este é o preço de uma pessoa escravizada no Brasil, proporcionalmente. As vinícolas gaúchas Aurora, Garibaldi e Salton pagarão, em razão de acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), o correspondente a 0,46% do seu faturamento anual, no valor de R$ 7 milhões de indenização.
Se faturassem anualmente R$ 100 por ano, seriam R$ 0,46. O termo de ajustamento de conduta (TAC) das vinícolas —tal como no assassinato de Beto de Freitas, no Carrefour em Porto Alegre— levanta a importante questão de como reparar atrocidades.
Deste valor, apenas R$ 2 milhões vão de fato aos trabalhadores, ou seja, R$ 0,13. Cada um deve receber pouco mais de R$ 9.000, o mesmo que os tribunais superiores concedem por bagagem aérea extraviada. O restante (R$ 5 milhões) deverá ser destinado a organizações.
Em que pese o trabalho sério dessas organizações, é perversa, posto que mesquinha e mercantil, a lógica de subjugar as vítimas diretas a um valor baixo diante da atrocidade. Carece no Brasil debate aprofundado sobre reparação, monetária e não monetária, o que passa por questionar o preço barato da carne negra.
Há de se convir, aliás, que o caso da escravidão em vinícolas é puro suco de Brasil. O culto à meritocracia (sobrenome não garante emprego, disse certa vez Luciana Salton, da Salton) contrastando com a valia que só uma boa exploração trabalhista gera. A tentativa de tapar o problema estrutural —omissão judicial, capitalismo predatório e escasso controle do mercado— com a peneira do TAC. A intersecção entre preconceito regional e racial onde baianos apanhavam nas vinícolas, e gaúchos, não.
Ou levamos a sério a reparação —o que passa inclusive por nomear mulheres negras ao Supremo Tribunal Federal— ou continuaremos a jogar centavos para o ar como se pérolas fossem, neste mito da benevolência ao qual chamamos de Brasil.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.