Não há dúvidas de que a rivalidade crescente entre China e EUA é um risco para o mundo. Mal administradas, as tensões podem fugir ao controle. Desconfianças mútuas, retórica inflamada e a sequência de medidas e contramedidas fazem a relação China-EUA instável e imprevisível.
É menos evidente, no entanto, se e como a rivalidade entre Pequim e Washington pode beneficiar o resto do mundo e, em particular, os países em desenvolvimento. A última reunião do G7 ofereceu dois exemplos interessantes a esse respeito.
Em primeiro lugar, vacinas contra Covid-19. Os membros do G7 prometeram fornecer 1 bilhão de doses para países necessitados. Em fevereiro, uma ideia semelhante havia sido aventada —e prontamente descartada. Nos últimos meses, é verdade, a vacinação nos EUA, por exemplo, avançou muitíssimo, o que facilita a decisão de doar.
Mas é também fato que a China teve, nesse período, caminho praticamente desobstruído para sua diplomacia da vacina e não desperdiçou a oportunidade. O avanço do país asiático colocou pressão para os demais agirem.
Em segundo lugar, o G7 anunciou um plano para financiar projetos de infraestrutura no mundo em desenvolvimento, em contraposição à Iniciativa do Cinturão e da Rota, dos chineses. Batizada com um nome tão ruim quanto o de Pequim, a iniciativa do G7, chamada de B3W (Build Back Better World), promoverá “infraestrutura baseada em valores”, como transparência, proteção ambiental e endividamento sustentável.
Se os detalhes ainda virão, a lógica já é clara. EUA e outros não conseguirão conter o investimento chinês no mundo sem propor, aos países receptores, uma alternativa no mínimo tão atraente quanto aquela oferecida pela China. Criticar o plano chinês de mãos vazias não funciona. Eis a origem do B3W.
Sem querer, a China acaba forçando os EUA —e outros países desenvolvidos— a prestarem mais atenção no mundo em desenvolvimento. Tem feito os grandes se mexerem. Ou o G7 se mobilizaria agora para promover infraestrutura em países pobres se não fosse o avanço do investimento chinês?
Ou o secretário de Estado americano telefonaria, como fez em março, para o presidente do Paraguai se não fosse o receio de Assunção rifar Taiwan e estabelecer relações diplomáticas com Pequim em função de vacinas?
Ou o governo americano refinanciaria a dívida do Equador com a China, como fez em janeiro, se o pacote não contivesse o compromisso de excluir empresas chinesas do 5G do país?
Ou o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento usaria simplesmente por acaso o argumento “China” ao tentar convencer o establishment americano a fortalecer o BID?
Não se trata de julgar os fins ou os meios da política externa dos EUA, que, com ou sem razão, veem na China uma ameaça. A questão é que a presença chinesa no mundo em desenvolvimento força os americanos a reconsiderarem regiões e países antes negligenciados.
Se a rivalidade entre China-EUA é inevitável, a questão passa a ser, para os demais países, como evitar que sejam prejudicados por ela ou, idealmente, como tirar proveito da situação. Se forem percebidos como estando no bolso de um ou de outro, perderão seu poder de barganha.
Manter autonomia diante dos grandes e sobretudo beneficiar-se da disputa não é trivial. Apesar dos riscos, a competição entre China e EUA pode gerar externalidades positivas para quem souber aproveitar.
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