Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu América Latina

Peru vive instável forma de normalidade 1 ano após queda de Castillo

País sul-americano construiu verdadeira ojeriza da política e tem recuperação difícil após protestos com dezenas de mortos

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Dezembro de 2022 foi um mês duro para o Peru. E, um ano depois, com uma situação algo instável, segue existindo um sentimento de revolta e tensão em várias regiões do país que, a qualquer momento, poderia se transformar em um novo pico de convulsão social.

A situação inicial foi provocada pela tentativa de autogolpe do presidente Pedro Castilho em 7 de dezembro do ano passado. O esquerdista tomou essa decisão depois de pressionado e alvo de tentativas de impeachment por parte do Congresso em seu curto período de um ano de governo. Castillo terminou preso e julgado.

Manifestantes marcham na capital Lima contra a presidente Dina Boluarte e carregam fotos de pessoas mortas durante protestos
Manifestantes marcham na capital Lima contra a presidente Dina Boluarte e carregam fotos de pessoas mortas durante protestos - Angela Ponce - 7.dez.23/Reuters

Uma vez que era popular no setor rural, as manifestações contra sua saída do cargo foram iniciadas por camponeses que rumaram à capital, Lima, e a outras grandes cidades peruanas, recebendo o apoio de setores urbanos. Os protestos duraram meses.

A repressão foi e vem sendo brutal, deixando um saldo de, até o momento, ao menos 49 mortos e 600 feridos. Boa parte das críticas se dirige a Dina Boluarte, vice-presidente de Castillo que assumiu seu cargo. Embora fosse a segunda na linha de sucessão, ela não é aceita pelos apoiadores do esquerdista, sendo considerada uma "traidora".

Na semana passada, uma bonita e triste cerimônia teve lugar em Huamanga, na região de Ayacucho, já castigada no passado por conta do conflito com o grupo terrorista e marxista Sendero Luminoso.

Centenas marcharam em homenagem a dez mortos por forças combinadas entre Exército e polícia local, há um ano, na região. As vítimas, em geral, estavam tentando retomar o aeroporto local, ocupado pelas forças de segurança, mas foram vítimas de disparos de armas de fogo que, segundo testemunhas, eram ouvidos a vários quarteirões de distância.

No último dia 16, houve novos distúrbios, causados por parentes e amigos dos assassinados no aeroporto. Na sequência, mais mortes.

Este é um pequeno exemplo do que se passou em várias cidades do Peru que hoje vivem uma instável forma de normalidade. Por várias semanas, Lima viveu enfrentamentos mortais, com forte repressão que, em grande parte, tinha como alvo os seguidores de Castillo vindos do interior.

Castillo nunca integrou o Sendero Luminoso, mas sim os grupos de autodefesa que defendiam a população, os chamados "ronderos". Ambos atuaram no chamado período de terror que o país viveu entre 1980 e 2000 e que matou mais de 70 mil peruanos. Sempre foi muito difícil que a elite peruana aceitasse o Perú Libre, partido de Castillo, formado por "senderistas", mas também por "ronderos".

Ayacucho abriga filhos e netos daqueles que morreram no enfrentamento entre o Exército e o Sendero, um lugar que simboliza as feridas do Peru nos últimos cem anos.

Hoje, há investigações abertas contra vários dos responsáveis pelas matanças de 2022. As forças de segurança, porém, dizem que o episódio foi uma reação de legítima defesa, pois o aeroporto estava cercado.

O Peru atravessa uma onda de instabilidade política desde o mandato interrompido de Pedro Pablo Kuczynski, em 2018, que renunciou antes de sofrer uma moção de vacância (espécie de impeachment), seguido por outros presidentes breves, como Martín Vizcarra, Manuel Merino e Francisco Sagasti, tudo em um só período de mandato.

Tamanha instabilidade levou os peruanos a cultivarem uma ojeriza em relação à política que culminou na eleição do desconhecido Castillo. Dina Boluarte, ainda com sua baixa popularidade e a legitimidade questionada, tem pelo menos duas tarefas: levar o país em aceitável normalidade democrática até as próximas eleições e fazer Justiça com relação aos abusos de direitos humanos em sua gestão.

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