Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Debater se Pinochet foi ou não um ditador é um retrocesso

Sim, ele foi; discussão infelizmente reaparece às portas dos 50 anos do golpe militar no Chile

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No belo "1976", que pode ser visto na Netflix, a dona de casa endinheirada Carmen, interpretada por Aline Küppenheim, viaja à casa de praia da família durante o inverno para coordenar uma reforma.

Aos finais de semana, recebe as visitas do marido e dos filhos conservadores, durante as quais ela ouve os argumentos que os apoiadores de Augusto Pinochet usavam —nem sequer passa pela cabeça deles chamá-lo de ditador. Os inimigos eram claramente os "subversivos". Carmen pensa como eles, até que começa a se dar conta do que de fato acontecia no Chile naqueles anos.

Pessoas acendem velas para os desaparecidos pela ditadura do Chile, nos 49 anos do golpe militar, em Santiago - Martin Bernetti -11.set.22/ AFP

Seu despertar de consciência lembra o da personagem Alicia no filme argentino "A História Oficial", de 1985, em que uma professora não percebe o tamanho da repressão da ditadura local contra os tais "subversivos" até descobrir que sua filha havia sido roubada de pais desaparecidos.

No caso de Carmen, seu encontro com a realidade ocorre quando o padre Sánchez, que comanda a paróquia do povoado, pede que ela cuide de um rapaz machucado que ele abrigou na igreja.

Carmen não compreende por que não o levam a um hospital até ver a ferida de bala em suas pernas. Começa então a entender que ele é um perseguido político da ditadura. A relação com o rapaz faz com que se envolva na história e, aos poucos, além de tratar de suas feridas, ela passa a realizar favores para Elías, levando recados a seus familiares e companheiros de militância.

Às portas dos 50 anos do golpe militar, em que o Palácio de La Moneda foi bombardeado, e o então presidente, o socialista Salvador Allende, levado a se matar, começam a surgir filmes, livros e debates sobre o período ditatorial. O governo chileno preparou um amplo calendário de atividades em distintas partes do país, além de realizar buscas por desaparecidos, determinadas pelo presidente Gabriel Boric.

"1976" traz questões que valem a pena serem discutidas nesta efeméride, como a da memória, da reparação e a da dificuldade de realizar uma conciliação no país, principalmente quando se usa a ditadura como ferramenta para construir retóricas de campanha. Na última semana, Luis Silva, membro do Partido Republicano, liderado pelo ultradireitista José Antonio Kast, afirmou que Pinochet era um "estadista".

Armou-se um enorme debate público, e Boric se pronunciou nas redes sociais: "Pinochet foi um ditador, essencialmente antidemocrata, cujo governo matou, torturou, exilou e fez desaparecer os que pensavam de maneira diferente. Foi também corrupto e ladrão. Estadista jamais".

Em um período de alta polarização política e perto de uma votação importante, em dezembro, quando haverá um novo plebiscito para aprovar, ou não, a nova Constituição do país, não serve de nada que a ditadura chilena entre na campanha eleitoral. A efeméride pertence a todos os chilenos e deveria ser motivo de ampla discussão sobre história, memória e direitos humanos, além de inspirar novos e desapaixonados estudos sobre a época e novas investigações de tantos casos travados.

Mas o debate sobre se Pinochet era ditador é um retrocesso. Está superado, não cabe mais no século 21.

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