Eu não costumo ter muita paciência para ver jogos de futebol. Não me identifico com nenhum clube —aliás, não gosto de clubes, ponto, justamente pela premissa de exclusividade; só faço parte da Sociedade de Neurociências norte-americana por necessidade profissional. O que para uns é uma deficiência no meu currículo para mim é ponto de honra. Meu clube é qualquer lugar onde todos sejam bem-vindos.
Mas rejeitar clubes não quer dizer não ser capaz de me identificar com time algum. O amarelo da camisa da seleção brasileira em campo, no vôlei e no futebol, me transporta para a quadra como se cada jogador com posse de bola fosse meu avatar em um videogame.
É preciso alguma parecença para o cérebro se transportar para o bonequinho na tela. Por isso a customização de avatares em jogos e agora telefones é um hit: porque, na verdade, a identificação não é opcional, é uma necessidade. Se o avatar não me representa, não sou eu —e se não sou eu, eu não ligo para o jogo.
Pois minha identificação com os jogadores de camisa amarela é enorme —as várias cores de pele, a ginga, a irreverência, o tratamento pelo primeiro nome, a familiaridade com a visão do todo amarelinho no gramado. Consequência: pelo espelho da televisão, o cérebro desta torcedora não só dá ordens como se tivesse algum controle sobre as ações alheias, mas vibra com o passe bem calculado, a bicicleta no momento certo, e a bola no fundo da rede, resultado da ação que, convenhamos, eu ajudei a fazer acontecer com todas as ações mentais da minha torcida, não é mesmo?
Porque é isso que torcedor de esportes coletivos faz: joga o melhor dos videogames, um em que não é preciso teclado ou controle em mãos porque os jogadores da tela parecem receber magicamente suas ordens por telepatia. Você manda eles pra cá, e eles vão. Manda chutar, e eles chutam. E se manda e eles não obedecem, você dá-lhes uma bronca bem dada, palavrões incluídos liberalmente —porque onde já se viu o seu avatar na tela se recusar a seguir suas ordens? – e pronto, eles se mancam e se emendam.
O resultado é que descobrir-se torcedor num jogo de futebol é uma experiência que só perde para jogar de verdade. O torcedor completamente imerso —o que assiste ao jogo, mesmo, e não tira os olhos do gramado, não o que dá uma olhadinha do telefone de vez em quando— tem todas as emoções fortes garantidas pelo envolvimento mental e emocional com a partida.
Eu escrevi aqui outro dia que são emoções fortes que fazem a gente se sentir vivo, coisa que o bom cinema nos proporciona. Mas um jogo de futebol movimentado, daqueles em que os jogadores parecem de fato seguir as ordens dadas do conforto do nosso sofá, é ainda melhor, justamente por causa da ilusão de sermos agente dos acontecimentos. Pouca coisa dá mais prazer ao cérebro do que comandar uma ação e ver o resultado esperado acontecer.
Torcer é sentir-se vivo —e ganhar o jogo é sentir que todos os seus esforços foram recompensados.
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