A neurocientista de plantão aqui descobriu nestas Olimpíadas que tem preferência descarada por esportes que colocam à prova a capacidade do cérebro de criar seu próprio tempo: nado sincronizado (“nado artístico” é o cacete), saltos ornamentais sincronizados, ginástica rítmica sincronizada entre moças e seus bambolês, bolas, pinos e fitas no ar ou, pra complicar de vez, tudo isso vezes cinco de uma vez só, trocando seus “aparelhos” entre si. Sim, tem a parte em que a música ajuda, ao dar o mesmo compasso externo a todas as moças. Mas os rapazes dos saltos ornamentais sincronizados –e claro que as moças também– não têm esse luxo; no máximo, contam um-dois-três-quatro em voz alta, o que dá o ritmo aos primeiros passos, mas depois disso, boa sorte para manter a sincronização.
Exceto que manter uma representação mental do tempo decorrido não é uma questão de sorte, e sim de uma capacidade do hipocampo de todo mundo, ratos e camundongos inclusive –e também do humano, segundo um estudo europeu publicado recentemente no Journal of Neuroscience.
Essa parte do córtex cerebral, famosa por seu papel indispensável na formação de associações entre eventos que é a base da memória recente, faz "multitasking": seus neurônios representam eventos, sim, mas também lugares, sequências de eventos e lugares, e intervalos de tempo. Aliás, é justamente essa sobreposição de tarefas que faz do hipocampo o agregador natural de representações de sequências de espaço-tempo –aquilo que a gente vulgarmente chama de nossa memória autobiográfica.
Tudo isso porque o hipocampo é um circuito fechado de neurônios, como crianças de mãos dadas numa ciranda, que circulam sinais entre si, e que acabam funcionando como um carrossel. No carrossel do hipocampo, a qualquer momento pode-se subir, ocupar um cavalinho, rodar um pouco com outras crianças, e descer. Cada conjunto de crianças ocupando o carrossel num determinado momento é uma memória; a sequência de conjuntos de ocupantes no carrossel é a sequência de eventos que representamos continuamente ao longo do dia, e da vida.
O espaçamento entre eventos recentes, e portanto o momento exato em que o próximo evento acontece, também é construído no hipocampo –nesse caso, pelo revezamento de neurônios que, ativos em sequência, se alternam, cada um representando um intervalo específico de vida desde um evento marcante.
As provas sincronizadas de que eu tanto gosto, portanto, celebram a habilidade do carrossel de um cérebro escolher rodar junto com o carrossel de outro, gerando um todo que é muito maior do que suas partes: uma sociedade de cérebros.
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