Mesmo que, por algum golpe de sorte cósmico, você ainda não tenha topado 20 mil vezes com a expressão "puro suco de Brasil", é provável que entenda direitinho o que ela significa.
Puro suco não é muito diferente —é mesmo uma espécie de sinônimo ou paráfrase— de uma palavra fora de moda que os dicionários consagraram: suprassumo, quer dizer, quintessência, expressão máxima de alguma coisa.
Há dois meses, sob o título "Isso é puro suco de Brasil!", Felipe Neto postou no YouTube uma compilação de cenas que supostamente captariam algo de único e profundo sobre a vida no país. A foto de alguém coando café na água quente do chuveiro elétrico, por exemplo.
Sim, a expressão é cômica. O puro suco parece ter a vocação maior de provocar o riso diante de coisas ao mesmo tempo inusitadas e, bem, "típicas". Falou em misturar autodepreciação com autoexaltação, estamos aí: "Só no Brasil mesmo!", costumamos dizer sobre coisas que, em geral, existem no mundo todo.
Mas nem só de Brasil se faz puro suco. A expressão pode ser associada a diversos elementos, embora tenda a coagular com maior frequência ao redor de determinados temas: "puro suco do caos" e "puro suco do entretenimento" são alguns destes.
Como se vê, é o puro suco do sucesso. Trata-se de um dos lugares-comuns mais vitoriosos dos últimos anos, um clichezão de penacho. Alguns preferem chamar de meme —o que é dizer a mesma coisa em vocabulário de rede social.
Há evidências de que, em seus primeiros tempos, o puro suco podia ser encontrado em formulações inteiramente benignas, elogiosas: "Essa praia hoje está o puro suco da beleza." Talvez isso ainda possa ocorrer, mas é inegável sua inclinação para a mordacidade, a zombaria.
Daí para a crítica violenta e frontal foi um pulo. Encontra-se a expressão cada vez mais associada a traços negativos que o falante deseja enfatizar em certas situações, como "puro suco do machismo" ou "puro suco do atraso".
E mesmo o "puro suco de Brasil", que às vezes é só engraçadinho mesmo, vem sendo empregado com frequência para denunciar nossas mazelas, nossos brejos, nossos fracassos como nação.
Nesse caso é como se, ao preparar o suco, a gente extraísse o sumo da casca seca e do caroço amargo, jogando a polpa doce no lixo. Definitivamente, os tempos não são de otimismo solar.
Caso alguém esteja em dúvida, o objetivo desta coluna é refletir sobre o puro suco, não condená-lo. É claro que não há nada de gramaticalmente errado na expressão. Mesmo assim, quem precisa se preocupar com estilo e originalidade talvez ache uma boa ideia se precaver contra ela.
Um clichê nasce muitas vezes como festa da linguagem. Em seus primeiros usos, o puro suco deve ter soado tão expressivo, tão feliz, que saiu contagiando todo mundo.
O fenômeno é banal, inevitável. Duas décadas atrás —quem se lembra?— aconteceu algo parecido com "arrebentar a boca do balão". Quem hoje arrebenta a boca do balão?
Clichês desse tipo costumam ser autodestrutivos: o mesmo poder de contágio que os leva ao sucesso determina seu fracasso, por saturação. Chega o momento em que ninguém o aguenta mais, e o que era original e expressivo se torna linguagem morta.
Não sei se a hora fatal está próxima nesse caso. Só espero que, quando me servirem o puro suco de Brasil, que seja coado, de preferência batido com gelo e quem sabe até com uma ou duas doses de cachaça, porque olha...
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