A internet é aquele lugar hiperbólico em que ninguém argumenta, contrapõe, debate com outra pessoa —todo mundo "humilha" o adversário. Ou, claro, é "humilhado" por ele, a depender do setor da arquibancada virtual em que você esteja.
Venho pensando nessa tendência ao exagero de expressão, que quase chamo de histeria —e talvez devesse chamar mesmo, não fosse o receio de soar... histérico.
Claro que a Grande Conversa de Todo Mundo inaugurada neste século pela revolução digital não inventou a mania de gritar por qualquer besteira. O descompasso de tom entre expressão e fato é tão velho quanto a linguagem.
Pode até ser usado para a obtenção de efeitos artísticos interessantes, como quando o tom fica aquém da dramaticidade do fato —o que em inglês se chama de "understatement" e que o franco-argelino Albert Camus transforma em epígrafe de uma era no início de "O Estrangeiro": "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem".
O caso oposto, em que o tom tenta esquentar com palavras em brasa uma realidade no máximo morna, é mais encontrável na linguagem comum do que na arte —a menos que entre em cena a ironia, claro.
Tudo indica que se trata de um pecado demasiado humano. De hipérboles inocentes como "morto de sede" e "azul de fome" à "humilhação" e à "destruição" que rondam qualquer choque de opiniões na internet, é possível que haja uma linha contínua.
No entanto, pode haver algo mais. A ideia me ocorreu lendo um livro delicioso que saiu ano passado no Brasil, chamado "Correio Literário" (Âyiné). O mesmo nome da coluna de um semanário polonês em que a poeta Wislawa Szymborska (1923-2012) dava conselhos a leitores que lhe enviavam originais para avaliação.
"Não é a primeira vez —provavelmente já são setecentas e oitenta e nove vezes— que advertimos que o uso de termos exagerados enfraquece a coisa toda ou produz um efeito totalmente indesejado pelo autor", diz ela em resposta a um coitado.
"Na sua narrativa, aparentemente ocorrem coisas apocalípticas: alguém ‘esmaga’ a maçaneta com a mão, embora, em vez disso, devesse dizer apenas que ele apertou com força a maçaneta. O trem, é claro, dispara ‘como um louco’ —quer dizer então que logo teremos uma catástrofe? Que nada, logo descobrimos que ele chega à estação e, além disso, com atraso."
Não fica nisso. O exagero exige doses cada vez maiores: "O vento ‘sopra furiosamente’, alguém sente ‘o inferno’ dentro de si, a moça na estação está em pé ‘como uma estátua de dor’, e, para ser mais terrível ainda, é uma estátua ‘atingida por um raio’".
Wislawa retarda o golpe de misericórdia com que (aham) humilha o exaltado consulente: "E depois acontece de todos estarem vivos, andando, comendo, constituindo família e absolutamente nada aconteceu".
Certo, mas o que a "humilhação" que na internet ronda até disputa de palitinho tem a ver com isso? É uma hipótese: se o exagero de tom é uma armadilha comum para quem começa a escrever literatura, quem sabe não seja também algo que o escriba de um bilhão de cabeças que habita as redes superará quando aprender a escrever?
Afinal, em termos históricos, a espécie mal começou a balbuciar seus primeiros memes. É preciso lhe dar algum tempo. Resta saber se tempo há, neste planeta que dispara como um louco rumo à aniquilação, sentindo o inferno dentro de si, como se tivesse sido atingido por um raio. Que humilhação!
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