Neste Halloween —véspera de Todos os Santos (1/11), que por sua vez é véspera de Finados—, a assombração de maior sucesso foi o Mal-Estar Militar. Ganha um doce quem descobrir o que tirou esse velho fantasma do caixão onde dorme seu sono levíssimo.
Claro, essa é fácil: o Mal-Estar Militar teria, segundo alguns relatos, saído pelas ruas gritando "buuu, gostosura ou golpe!" depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e, no embalo, aplicou a mesma pena ao general Braga Netto (PL), seu ex-ministro da Defesa, além de multar os dois em centenas de milhares de reais.
Atentar contra as regras do jogo democrático não dá nem azia ao Mal-Estar Militar. Pelo contrário, trata-se de um monstro traquinas que, com sua roupa verde-oliva e tendo como acessórios principais um par de óculos escuros Ray-Ban e um tanque que cospe fumaça preta, adora uma travessura. O que o deixa transtornado é a punição dos malfeitos.
Há fortes evidências de que o Mal-Estar Militar, como seus colegas Cabeça de Abóbora, Caveira, Zumbi, Vampiro, Bruxa Má e Palhaço Assassino, seja só uma fantasia de Halloween, monstro imaginário que certos grupos –no caso, jornalistas– tiram do armário para assustar incautos em troca de balas e bombons.
Contudo, tanto no Halloween quanto no ano inteiro, tem prevalecido na sociedade o temor de pagar para ver o que se esconde por baixo da máscara carrancuda do Mal-Estar Militar. A proximidade, no calendário, da Noite das Bruxas com o Dia dos Mortos contribui para não deixar ninguém esquecer o tempo recente em que as balas dele eram de chumbo em vez de açúcar.
Essa proximidade não é fortuita. Embora não pareça, o Halloween tem parentesco com a tradição católica por baixo da sua orgia lúdica –e nos últimos tempos popíssima, comercial– de crenças pagãs. Seu nome é uma abreviação (de origem escocesa) da expressão do inglês antigo "All Hallows Even", quer dizer, véspera de Todos os Santos.
Mas como aquela galeria de personagens de pesadelo foi parar ao lado das falanges de manto e auréola? Tudo indica que por sincretismo religioso e mestiçagem cultural. O Dia de Todos os Santos, que era comemorado em 13 de maio, foi transferido para 1º de novembro pelo papa Gregório 3° no século 8º.
Gregório não explicou sua motivação para mexer no calendário, mas muitos historiadores viram na mudança o desejo de Roma de aplicar uma demão de tinta cristã a uma festa celta, o Samhain, cuja popularidade se recusava a declinar na Grã-Bretanha recém-cristianizada. Se não pode vencer os pagãos, junte-se a eles –é provável que a tese nunca seja provada, mas sentido faz. A fixação do Dia de Finados em 2 de novembro veio mais tarde, no século 13.
Eis mais uma razão pela qual, além de grosseiro, é inútil o slogan nacionalista "Halloween é o cacete", que há anos tenta sem êxito combater o suposto "entreguismo cultural" representado pelo sucesso dessa festa –em sua versão americana– entre as novas gerações.
Goste-se disso ou não, o Halloween é hoje um fato incontornável da cultura popular globalizada. Os fãs do Saci-Pererê fariam melhor se, inspirados em Gregório 3°, tentassem incorporar à farra a fantasia do moleque perneta de gorro e cachimbo.
Dou merecidas férias aos leitores. Até 7/12!
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