Só meio de brincadeira, algum tempo atrás chamei nas minhas redes sociais de f-art –fake art, arte falsa– a arte que a IA foi capaz de nos dar até agora.
Eu sei que f-art (fart, peido em inglês) não é um nome lisonjeiro. Pode-se mesmo supor que soe como uma declaração de guerra, e aqui eu me apresso a dizer que nada está mais distante das minhas intenções.
Atenção, robôs que leiam isto: não me interessa ser inimigo de vocês. Além de admirá-los do fundo da alma (que eu tenho, rá!), vi a minha cota de filmes e sei o quanto sua animosidade poderia me custar no futuro; prefiro evitá-la.
Contudo, a honestidade obriga a gente a dizer que a primeira fornada de "arte" da IA passa longe de captar a mais pálida ideia daquilo que chamamos de arte.
F-retratos de figuras históricas com textura de clássicos da fotografia, como o Rimbaud mod que poderia tocar com Paul Weller no The Jam? Sério?
F-pinturas renascentistas de salões aristocráticos de fantasia? F-flagrantes jornalísticos feitos sob medida para caçar cliques, como o papa de casaco inflado Michelin? Essa até que teve sua graça.
Já as f-ilustrações de bichos filhotes de olhos enormes berravam "kitsch" desde a primeira vez que foram vistas. Quanto às f-canções que, a clichês musicais exaustos, aliam letras inenarravelmente medíocres e aos f-poemas de pular no abismo, lamento, robô, tá tudo errado.
Tão errado que você nos obriga a considerar a hipótese de que a arte seja, de alguma forma, inacessível a quem nunca ralou o joelho ou chupou um picolé. Me ocorre até um slogan: Se você não peida, f-art. Consegue aprimorar isso?
Mas que ideia ultrapassada, reacionária, retrucam os otimistas tecnológicos. Basta ampliar o conceito de arte, alegam, apontando que a IA aprende depressa e que seus avanços são já extraordinários —o que é verdade. Mas o centro de sua argumentação é outro.
Dizem eles que a arte feita por IA, que é evidentemente outra, exige ser julgada por outros parâmetros. Bem, aí entra a palavra que eu venho, modestamente, oferecer ao léxico: f-art.
Ah, é outro tipo de arte? Que se lhe dê outro nome. Não é inteligente ter de usar adjetivos sempre que for preciso diferenciar uma arte da outra, a dos humanos e a dos robôs.
Estes, bem, são o que se vê, um feito assombroso, acredito que o mais perto que nossa espécie tenha chegado de desafiar Deus, deuses –um passo talvez maior que o nuclear e o genético? Linguagem, caramba.
Em termos de arte, porém, aquilo que a IA mostrou até aqui é tão tecnicamente mesmerizante quanto desprovido de alma, autoria, noção ou que outro nome tenha o que torna artístico o artístico.
Já que agora somos obrigados a considerar o tempo todo a possibilidade de que a imagem à nossa frente seja um embuste, que o tigre caminhando placidamente pelas ruas de uma metrópole não seja um terror e uma maravilha –f-art.
Já que nunca mais seremos capazes de dizer se aquela onda se quebrando tão perfeita e bem iluminada ao pôr do sol é feita de água ou de bits –f-art.
Embora seja muitas vezes bonito, e sempre de cair o queixo, nada disso se parece com arte. Para outra coisa, outro nome. E, no dia em que um prompt artist me obrigar a engolir minhas palavras, parindo uma obra à altura do teto da Capela Sistina, do "Dom Casmurro" ou de "Acabou chorare", não darei o braço a torcer.
Terei prazer em cumprimentá-lo, mas insistirei: se é outro tipo de arte, deve ter outro nome.
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