Hoje eu quero escrever uma crônica que seja como uma call de alinhamento, para que no fim do dia todos os leitores estejam na mesma página sobre a inculta e bela. É sobre isso!
Claro que uma crônica com essa potência, verdadeiro benchmark do cronismo mundial, não é para os fracos. Mas jogando para o universo, sendo proativo e trabalhando poucas horas por semana é possível bater a meta!
Endereçar o problema de encontrar a crônica perfeita, aquela que vai gerar retornos milionários e trabalhar pela minha marca enquanto eu durmo —isso só depende de agência. A expertise e a resiliência eu já tenho, sendo head da coluna há tantos anos.
Antes de mais nada é preciso conferir os três Bs. Briefing? Check. Business plan? Check. Brilho no olho? Check de novo. Isso basta, pessoal! Depois é só não perder o deadline do jornal e pronto: tremendo ganha-ganha.
Aliás, que tal começar mudando o approach? Em vez de cronista, um profissional moderno do texto deve se projetar como produtor de conteúdo multiplataforma. Performar num só meio é totalmente século 20. Quem vocês acham que eu sou, Don Draper?
Hora de pensar fora da caixa. Será que eu vou precisar de um mentoring para startar o processo? Não, vocês não estão preparados para essa conversa. Surpreendendo um total de zero pessoas. É verdade esse bilete!
Sim, estamos sempre pisando em ovos ao caminhar entre modismos vocabulares, lugares-comuns, clichês. Semiletradas ou castiças, as frases feitas dão mais do que chuchu na cerca na escrita e na fala de quem não faz das tripas coração para reduzi-las a pó.
De repente, num piscar de olhos, é tiro e queda: lá está a expressão convencional, esse arroz de festa, essa figurinha fácil, deitada no berço esplêndido das mal traçadas.
E pode até ser que a pessoa tenha uma cultura invejável. Trata-se de erro crasso achar que uma educação refinada é suficiente para blindar alguém contra esse insidioso mal.
Nada disso: os clichês, como os gatos, têm sete vidas! Ao menor cochilo, atacam gregos e troianos, penetrando em corações e mentes.
O preço da ausência de clichês é a eterna vigilância. Todo escritor ou escritora digno ou digna de ser assim chamado ou chamada sabe que sem suar em bicas, sem trabalhar de sol a sol, não estará a salvo desse doce veneno.
Eu disse doce? Sim, porque um lugar-comum é como um chinelo velho para pé cansado, proporcionando ao usuário uma nítida sensação de prazer e conforto.
É aí que mora o perigo! Não podemos perder de vista que esse amor bandido, no fundo um santinho do pau oco, está sempre pronto a nos privar na calada da noite e com um drible seco e desconcertante de um bem precioso.
E que bem será esse? Agora eu vou surpreender um total de zero pessoas, mas é melhor chover no molhado e garantir que todos estejam na mesma página.
O bem precioso é a originalidade da expressão. O fio das palavras. O pensamento desembaçado, lúcido. O espírito crítico. O contrário de sonambulismo.
É isso que o clichê —clássico ou contemporâneo, analógico ou digital, vernacular ou bárbaro, lusófono ou anglófilo— corrompe, nos deixando de mãos abanando e a ver navios no inverno tenebroso da linguagem.
Advertência: após o gasto muito acima da média na coluna de hoje, a ironia será severamente contingenciada neste espaço até primeiro de abril.
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