Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Pedro Paulo Pimenta, professor de filosofia na USP.
O que fazer quando a destruição da ciência se torna política de Estado? A prática científica nunca teve vida fácil no Brasil, se bem que a partir da segunda metade do século 20 ela tenha progredido, ainda que com percalços e acidentes.
Nos últimos 30 anos, a ciência brasileira se consolidou e ganhou projeção internacional, fazendo-se presente nas políticas de saúde e de educação, na imprensa e nas redes sociais. Durante a pandemia, a despeito da delinquência institucional generalizada, ela ganhou ainda mais projeção.
Para entender o vírus, foi preciso evocar a teoria da seleção natural. Para combatê-lo, a história das pandemias. Para vencê-lo, ainda que parcialmente, as virtudes da inoculação. O impacto negativo sobre a economia flexibilizou ortodoxias rígidas.
Só agora começam a vir à tona os efeitos na educação e na saúde mental das crianças e adolescentes. Essas e tantas outras coisas, discutidas mundo afora, foram negligenciadas por nossas "autoridades constituídas", mas não escaparam à atenção das pesquisadoras e profissionais lotados nas universidades e instituições de pesquisa e ensino.
Apesar dos cortes de verba, que chegam a impedir o funcionamento de laboratórios, salas de aula e bibliotecas, a ciência mostrou seu valor para a compreensão do momento. Embora a pesquisa e o ensino, por si sós, não possam mudar a realidade brasileira, a mudança passa por eles.
Quando falamos em ciência, evocamos coisas muito diferentes. Mudam métodos e abordagens, fica a mesma determinação de chegar a conclusões que contribuam para o avanço do conhecimento e a melhoria da vida em sociedade.
Vivemos numa época de aquecimento global. Há quem fale em Antropoceno, uma nova era geológica marcada a fundo pela atividade humana. Para lidar com essas questões, é preciso estreitar as redes de pesquisa, formar pessoas qualificadas, tornar-se cada vez mais seguro daquilo que se sabe e do que não se sabe e talvez não se possa saber.
Costumam-se distinguir as ciências entre duras e moles, exatas e humanas etc. É um jeito obsoleto de ver as coisas. Na história do conhecimento, essas distinções não existem. As ciências progridem, mudam os paradigmas, consensos são desfeitos e surgem novos em seu lugar. Mas o que fica para trás não perde valor.
Quando publicou a terceira edição da "Origem das Espécies", Darwin acrescentou ao livro um prefácio histórico. De Aristóteles a Lamarck, a ideia da transformação dos seres vivos sempre esteve presente. Coube a Darwin sistematizar e aprimorar algo que permanecia esparso. Com a adoção do modelo econômico da escassez, ele criou a teoria da seleção natural, e, em seu bojo, a ideia de evolução.
Histórias semelhantes aconteceram em quase todas as ciências. Se quisermos ter uma cultura científica, devemos recuperar essas narrativas, a começar pelo ensino nas escolas. E estimular a reflexão sobre a produção do conhecimento através dos tempos.
Para tanto, é preciso renovar a aliança entre "humanas", "exatas" e "biológicas". Nesse movimento, a filosofia tem participação ativa, pronta a esclarecer e a discutir os conceitos que estruturam a experiência.
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