Tanto barulho em torno da inteligência artificial e, à menor solicitação, ela fez pffft. Há dias, Ubiratan Brasil, em O Estado de S. Paulo, acessou o ChatGPT, ferramenta da IA que se jacta de reproduzir o estilo de qualquer escritor, e o desafiou a escrever textos à maneira de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Rubem Fonseca. E, como na escola, escolheu o tema da redação: a violência contra professores e alunos em sala de aula.
O chat recuou dois passos e avançou outros tantos. Admitiu que era difícil presumir como esses escritores "abordariam assunto tão específico", mas se dispôs a tentar. O resultado foram textos de platitude ginasiana, indignos de Drummond, Clarice e Zé Rubem, e a léguas dos originais em matéria de estilo.
Reconheço que esses escritores são difíceis de imitar, ao contrário de, digamos, Nelson Rodrigues, Guimarães Rosa e Carlos Heitor Cony. Por terem um universo verbal, dicção e ritmo excepcionalmente marcantes, Nelson, Rosa e Cony são fáceis de copiar ---assim como, com somente dois ou três adereços, qualquer pessoa consegue fantasiar-se de Groucho Marx, Carmen Miranda e Carlitos. Difícil é penetrar na cabeça de um escritor, prever suas instabilidades, intuir seus estados de espírito.
No passado, médiuns famosos "psicografaram" os falecidos Olavo Bilac, Humberto de Campos e Noel Rosa. Mas os respectivos poemas, crônicas e sambas que seus ectoplasmas produziram só provaram que morrer faz mal a escrever bem.
Quanto a mim, estou tranquilo. O ChatGTP poderá macaquear meus cacoetes e manias verbais. Mas, se se aventurar a produzir uma biografia, quero vê-lo sair para entrevistar 200 fontes ao vivo, quatro ou cinco vezes cada uma, num total de quase mil entrevistas; checar as informações, organizá-las de forma coerente e, então, dispô-las no papel de forma clara, objetiva e verdadeira. O resto eu dispenso.
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